Por que a indústria cultural insiste tanto em nos levar de volta ao passado?

Por Carlos Redel, para Coletiva.net

De acordo com a psicologia, a nossa memória é adepta às boas lembranças. Ok, mas como assim? Bem, o resumo é esse: o nosso cérebro prefere guardar as recordações positivas e esquecer aquilo que não é agradável. Com isso, podemos recorrer mais facilmente às boas lembranças e lidar melhor com as situações ruins. É uma espécie de autodefesa contra a tristeza.

Esse interessante 'recurso' da nossa cabeça é tema de pesquisas desde a década de 1930 e já foi comprovado inúmeras vezes. Assim, a mente humana consegue 'limpar' aquilo que não é tão agradável e, surpreendentemente, até transformar memórias ruins em boas. Um exemplo do nosso cotidiano são aqueles casais que rompem por conta de relacionamentos horríveis, mas, com o passar do tempo, acabam voltando, porque "nem era tão ruim assim". E ainda tem o pessoal da época da Ditadura Militar, o que não vem ao caso...

Mas, então, o assunto desse artigo é a psicologia? Não, nada disso. Essa introdução é apenas para constatar que o funcionamento da nossa memória é, atualmente, um dos grandes trunfos da indústria cultural. A cada dia que passa, mais e mais produções cinematográficas, séries de TV, jogos, livros, peças, músicas e HQ's investem nas nossas boas lembranças - além da nossa dificuldade de nos desapegarmos delas - para, assim, se venderem.

Atualmente, é muito comum séries antigas passarem por revivals, trazendo de volta para o público aquelas histórias que, há anos, já haviam sido encerradas - sendo que a maioria terminou por conta da queda de audiência. E exemplos recentes dos programas que 'voltaram dos mortos' não faltam: Arquivo X, Twin Peaks, Gilmore Girls, Will & Grace, Full House, Arrested Development, entre outras tantas planejadas para os próximos anos. Além, é claro, da legião de fãs que pedem o retorno de Friends.

No cinema, franquias há muito tempo já dadas como encerradas, voltaram com tudo. E não como remakes ou reboots, com sequências. Jurassic Park, que teve três filmes lançados entre 1993 e 2001, ganhou um spin-off/continuação, que chegou aos cinemas com o nome de 'Jurassic World', tornando-se uma das cinco maiores bilheterias da história do cinema. As sagas de Rocky Balboa e de Indiana Jones seguiram um caminho parecido. Recentemente, o cultuado Blade Runner ganhou um segundo título, 35 anos depois da produção original.

Mas um exemplo muito interessante desse resgate do passado é a franquia Star Wars. A primeira parte da saga criada por George Lucas se iniciou - revolucionando o cinema - em 1977 e terminou com o lançamento de 'O Retorno de Jedi', em 1983. No final dos anos 1990 e início dos anos 2000, o cineasta lançou uma nova trilogia. Já nos anos 2010, a Disney comprou o estúdio dono da franquia e, em 2015, estreou 'O Despertar da Força', continuação dos três primeiros longas - e que traria algo que os fãs mais desejavam: aquilo que foi visto no passado.

O quarteto de protagonistas dos três primeiros longas estaria de volta à produção, revivendo os seus icônicos personagens: Luke (Mark Hamill), Han Solo (Harrison Ford), Leia (Carrie Fisher) e Chewbacca (Peter Mayhew), que se integrariam a uma nova geração de heróis. E é aí que a situação fica interessante. 'Star Wars: O Despertar da Força' traz muitas semelhanças com 'Uma Nova Esperança', o primeiro filme da franquia. O resultado? Um sucesso gigantesco, que acumulou mais de US$ 2 bilhões ao redor do mundo.

Com a saga de volta às graças do público, a Disney entregou a sequência para um diretor que decidiu inovar. E, assim, 'Os Últimos Jedi' levou a história para um caminho novo, expandindo as possibilidades da saga. O resultado? Apesar de ser elogiado pela crítica, a maior parte dos fãs não gostou do longa e, comercialmente, ficou muito baixo de seu antecessor, que apostou alto na nostalgia.

Além disso, muitas produções estão investindo nas referências ao passado. Há poucos meses, 'Jogador Nº 1' chegou aos cinemas com uma história repleta de easter eggs para quem cresceu com a cultura pop dos anos 1980. Stranger Things, série-fenômeno da Netflix, fez o mesmo caminho. Até as animações que, teoricamente, são feitas para o público infantil, estão vindo carregadas com menções a mil novecentos e antigamente, como Detona Ralph.

E assim a cultura pop se retroalimenta, seja trazendo de volta aquilo que foi sucesso no passado ou se autorreferenciando, mas, acima de tudo, entregando aquilo que os fãs querem. E, não, isso não é uma crítica. Afinal, muitas dessas obras são ótimas e é incrível ver elementos que marcaram época de volta, mesmo que seja um truque para conquistar a nossa mente saudosista.

Entretanto, é interessante notar como o que temos agora sempre parece inferior ao que foi lançado antigamente - tanto temos que revistamos o passado constantemente. Ao analisar as listas dos maiores filmes de todos os tempos feitos por cinéfilos, dificilmente encontraremos obras atuais. E é por que não existem filmes tão bons quanto os lançados no passado? Certamente, não. Talvez, esse fenômeno (ou injustiça) seja fruto desse tempo que a nossa mente necessita para 'polir' as memórias e nos fazer acreditar que tudo no passado era melhor...

Carlos Redel é jornalista e editor do portal especializado em cinema Bode na Sala. 

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