Quando o cancelamento testa o caráter institucional

De Zento Kulczynski, para o Coletiva.net

13/11/2025 11:15
Quando o cancelamento testa o caráter institucional /Crédito: Arquivo Pessoal

É cada vez mais comum assistir instituições recuando diante de pressões digitais, especialmente quando convidam personalidades que despertam controvérsias ou opiniões polarizadas. O fenômeno do ?cancelamento? não é apenas uma onda momentânea de críticas, mas funciona como um teste público de coerência entre o discurso e a prática de quem diz defender pluralidade, ciência, cultura e liberdade de pensamento.

Quando uma organização desmarca uma participação por medo do ruído, envia uma mensagem clara ao seu público: seus valores são negociáveis. É nesse ponto que a gestão de crise deixa de ser comunicação e passa a ser identidade. Uma instituição não demonstra grandeza apenas naquilo que promove, mas principalmente naquilo que sustenta quando é pressionada.

Vimos isso recentemente em casos como o cancelamento de convidados em universidades e eventos culturais pelo simples motivo de desagrado ideológico. Em diferentes episódios, o ataque digital venceu antes mesmo que o diálogo começasse. Nesse modelo, a instituição não sofre uma crise, ela terceiriza sua autonomia ao fluxo das redes. Em contraste, há quem reaja de forma madura e estratégica. Quando uma organização escolhe não ceder ao linchamento virtual, ela protege algo maior que um evento isolado, preservando a integridade de sua missão pública. Permanecer ao lado do convidado não significa concordar com tudo o que ele pensa, mas afirmar que espaços acadêmicos e culturais existem para ouvir, debater e elaborar.

A diferença entre desgaste e fortalecimento está na forma de condução. Monitoramento de redes, reforço de comunicação clara, planejamento de segurança e posicionamento preventivo não são detalhes operacionais, são ferramentas que permitem que a instituição cumpra o que prometeu aos seus públicos, sendo fiel a si mesma. Quando isso acontece, o resultado não é apenas a realização bem-sucedida do evento, mas a elevação simbólica da própria reputação. A percepção externa passa a ser de compromisso, coragem e consistência. Em vez de ceder ao barulho, a organização mostra ao ecossistema ao seu redor que sabe o que representa. E esse ecossistema incluiu a imprensa, a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo.

Como profissional da área da comunicação, acredito que a coragem institucional não nasce na crise, mas se revela nela. É quando a tempestade digital se arma que se vê quem tem valores como norte e quem tem apenas slogans como fachada. E se há algo que a comunicação integrada ensina diariamente é que reputação não se defende apenas com respostas, ela se constrói com coerência.