Só eu penso assim?

Por Iraguassu Farias, para Coletiva.net

No mais das vezes, considero-me um privilegiado por poder acompanhar o desenrolar de muitas coisas. Poderia dizer que pela idade. Talvez pela atividade. 

Pra piorar, até em face disto, com mania de opinar.

Por agora, tem me chamado a atenção muito nervosismo no mercado da Comunicação. Majoritariamente, estamos aferindo se tendo passado pelo pior da pandemia nossas decisões, ajustes, providências deram certo ou não. Por conta disto, o que mais ouço diariamente dos meus interlocutores é uma pergunta (ou duas): "Como estão os negócios?", "Como está o mercado?". Alguns disfarçam, mas estão, também, loucos para saber como anda a concorrência. E esta é uma métrica também: o outro. Às vezes, não basta estar bem ou mais ou menos, se o outro está melhor. Aliás, já se faz piadas sobre negócio envolvendo gaúchos.

Cresci ouvindo que negócio ou produto para dar certo tinha de passar pelo crivo de Curitiba. Como não conhecia aquela cidade, ficava elucubrando. Hoje, conheço Curitiba, mas infelizmente também conheço melhor os gaúchos. Como é bom fazer negócios com e em São Paulo!

Voltando ao meu dia a dia, tenho dito, aos que me perguntam, que o primeiro trimestre foi tímido. Um eufemismo pra dizer que, para maioria, foi uma droga. E, penso, por duas razões: viramos o ano com uma expectativa alta. Afinal, o final do ano foi bom para maioria e tudo o que não queríamos pensar era em "bolha de consumo". Mas a cautela ainda foi grande com relação à Covid-19. Tipo, "foi mas não foi", ou "será que foi?". Não temos respostas ainda firmes. Estamos na esperança. Parece, ao menos, que está indo, embora já se saiba que veio para ficar. 

A segunda razão tem a ver indiretamente com a pandemia. Ou melhor, com o efeito represado por ela. Muitos estavam, desde o verão de 2019, sem poder aproveitar o Litoral, sair com a família para uns dias. Muitos bradaram: "Havia três anos que não tirava férias!". Como o vírus não escolheu classe social, todos foram às praias (ou outro lugar aprazível). Patrão e subordinado. Rico e pobre. O RS voltou a ser o RS de outros tempos. Em janeiro e fevereiro, não se decide nada. E não se decidiu nada. Ficou para depois do carnaval, que quer dizer março.

Mas março foi estranho. Não sabíamos o que fazer. Não sei se invisto, se contrato, se anuncio, se amplio. Híbrido! Agora é híbrido! Esta expressão está, pensando bem, acoplada ao novo normal, que se confunde um pouco com reduzir, ficar em casa, nem vem, não arriscar.

Querem um exemplo? Salão ARP do ano passado. O primeiro presencial depois de tanto tempo. Além de RBS e SBT, que marcas estavam apoiando? Clear Channel, Viacom, Disney. Novas marcas, o que é bom. Mas de fora (não lembro se tinham outras). Resumo da ópera? Parece - e apenas parece, que estamos a depender de marcas com centro decisório fora daqui. Quem venceu a licitação dos relógios digitais? Marca de fora. Quem ganhou a licitação das paradas de ônibus? Marca de fora. Quem ganhou a licitação dos busdoor da Carris? Marcas de fora. Entendem?

Tenho manifestado que, depois de muito tempo - e aqui não vai nenhuma inferência de cunho político/ideológico, estamos vivendo um tempo de calma e um ambiente animicamente mais propício para negócios. Interromperam-se as notícias emanadas aqui do Estado de salários atrasados, fornecedores insatisfeitos, privatizações para fazer caixa. Ou um cinzeiro voando num gabinete público e a procura por culpados para nossos infortúnios municipais (ou estaduais). 

E agora, hoje, ainda há pouco, nos demos conta de que o ano eleitoral começou. A gente falava, mas não sentia. Dória ia sair, mas parece que não vai. Moro trocou de ninho e de sonho, e vai concorrer, parece, a deputado federal para encorpar os votos da legenda da nova agremiação. Só que isto não é nada diante do freio no Estado, olhando este como emulador de negócios também na área de Comunicação. 

Sim, entramos no regime de recuperação fiscal. Há detalhes ainda a serem cumpridos, mas, por ora, a publicidade permitida em função disto, somente na saúde, educação e segurança pública. Qual o impacto no mercado publicitário? Ainda difícil de medir. Para piorar, a Prefeitura de Porto Alegre está, mais uma vez, enrolada nas burocracias: um decreto municipal, editado no final de 2021, passou a exigir retenção de IR nos pagamentos da prefeitura. Até aí tudo bem, mas aplica-se às agências? Aos veículos? Aos fornecedores? Não sabem ainda. Entra em campo a PGM e aguarda-se parecer. De prático é que, novamente, operadores do mercado, que prestaram serviços no final do ano passado, não sabem quando vão receber. E já vimos este filme?

Bem, o que eu queria ter falado mesmo e ainda não disse é que devemos mudar esta escrita. Os agentes econômicos que não ficaram pelo caminho e que chegaram até aqui, mesmo com muita dificuldade, têm de olhar para frente e, no mínimo, concluir que foram capazes de enfrentar e superar o pior, o mais desconhecido e trágico desastre sanitário de que temos notícia, ao menos enquanto esta geração está viva. Aos trancos e barrancos, chegamos.

Que tal enfrentarmos ano eleitoral, inflação, RFF, pandemia e tudo o mais e sermos mais otimistas? Mais confiantes? Mais ousados? Não se iludam: a própria pandemia acabou sendo um lamentável depurador. Não houve muitos mortos apenas. Empresas faliram. Negócios acabaram. Mas e daí? Vamos achar que é "conversa para boi dormir"?

Falei da pergunta recorrente lá no início. Falo também de outra expressão, desta feita não como indagação, mas como vaticínio: "E então? Não tá bom, mas o que fazer?" Resposta: ninguém sabe. "Vamos esperar para ver o que acontece", "Não vou arriscar", "Vou garantir o 1 a 0 e me segurar lá atrás". Meio gol já basta.

Lembra-me da piada do senhor da carrocinha de cachorro quente, que, preocupado com a recessão que estava por vir, alertado pelo filho que estudou em Harvard, recuou tanto, que parou de vender cachorro quente. Preciso lembrar de na próxima vez tentar promover uma adaptação no "causo", e trocar o senhorzinho por gaúcho.

Iraguassu Farias é diretor Comercial de Coletiva.net.

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