Visibilidade trans: o desafio de ser reconhecido/a pela imprensa

Por Lourenço Floriani Orlandini, para Coletiva.net

Do sucesso internacional da cantora Pabllo Vitar a uma expectativa de vida inferior a 40 anos para as pessoas trans, o Brasil cultiva mais um indesejado paradoxo. Em um país que parece se habituar a extremos tão distantes quanto os do seu limite territorial, a vida das pessoas trans é ainda marcada fortemente pela exclusão e pela violência.

No mês da visibilidade trans, o preconceito segue retirando as travestis, as mulheres transexuais e os homens trans do convívio social, da educação, do mercado de trabalho e, por fim, de suas próprias vidas. Se essa posição é indesejada, cumpre provocar a sociedade - e a imprensa que ao final atua sobre ela - para que se posicione de forma correta quanto a esse segmento da população.

Cada notícia de transfobia é recebida com dor pelo segmento LGBTI. Se o luto já não fosse suficientemente doloroso, como também são os motivos de ódio que levaram a esses crimes, ainda é comum o tratamento inadequado conferido por alguns veículos de comunicação às pessoas trans, mesmo nos seus momentos derradeiros.  No texto "Encontrado homem morto conhecido como Duda", um jornal noticia a morte da mulher transexual Eduarda, 53 anos, em Bagé, neste mês de janeiro, indicando como é desconhecido o tema da identidade de gênero, o que acaba por matar várias vezes as vítimas nos seus direitos mais básicos.  

Se talvez seja difícil compreender o sofrimento causado pela manchete, devemos minimamente reconhecer, ainda que em um exercício de empatia, os inúmeros obstáculos pelos quais passam travestis e transexuais, numa sociedade que ainda as vê e as julga como pessoas marginalizadas, sem direitos fundamentais como o de ir e vir, o de respeito ao nome e o da cidadania plena, tão importantes num país que se diz democrático. Depois de uma vida de batalhas, uma mulher transexual assassinada ser designada como homem ao final de sua trajetória é certamente um ato de violência, que representa (e sepulta) toda a dignidade pela qual lutou e lhe foi negada durante uma vida.

O uso do nome social é impositivo aos órgãos públicos por força de decretos, leis e decisões, inclusive do Supremo Tribunal Federal, com designação do gênero conforme identidade, conquista decorrente da luta árdua dos movimentos sociais. A observância desse dever também pela imprensa talvez traga algum conforto e auto-reconhecimento para aquele ou aquela que, em uma cidade distante das capitais, tenha dificuldades de até mesmo compreender a sua natureza, os seus desejos e a sua existência. É preciso normalizar a questão de gênero e do nome social como pressuposto a um sentimento de respeito (próprio e pela sociedade) às pessoas trans. 

E, mais do que isso, urge que os nomes das mulheres transexuais e travestis e dos homens trans não sejam veiculados apenas na seção de violência dos diários locais. São diversas as artistas trans que mereceriam destaque na coluna da cultura, assim como poderiam ser abordadas outras manifestações sociais e culturais da população (ex. a origem e as curiosidades do vocabulário pajubá), ou ainda apresentadas críticas de séries e filmes que enfrentam o tema de forma digna. 

Na área política, deveria ser notícia a recente ocupação de espaços, nas Câmaras Municipais, por vereadores/as trans, com uma expressiva votação em diversos Municípios brasileiros, contrapondo-se a candidaturas conservadoras, assim como o empoderamento de travestis e transexuais em funções relevantes na gestão pública. Também são muitas as práticas inclusivas promovidas por instituições públicas e empresas privadas que, se divulgadas, reconhecidas e fomentadas, podem dar visibilidade à população, diminuindo o preconceito e a marginalização dessas pessoas. Assim é o papel da imprensa séria e competente, que, por meio da boa informação, auxilia na redução das desigualdades e propicia um avanço na área da comunicação e em uma sociedade mais justa e igualitária. 


Lourenço Floriani Orlandini é procurador do Estado do RS, integrante da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos Humanos da PGE-RS

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