"Firehosing" e o estrago que isso pode causar ao jornalismo

Por Geórgia Santos, para Coletiva.net

Em 7 de janeiro, Jair Bolsonaro discursou na posse dos presidentes da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES. No Twitter, reproduziu o vídeo do pronunciamento com a legenda: "A imprensa livre e isenta é fundamental para a nossa democracia". Na prática, porém, o agora presidente, seus filhos e seguidores dedicam-se a atacar os veículos e jornalistas que publiquem qualquer texto que não seja elogioso ao seu governo, como se isenção fosse o compromisso de não criticá-lo sob hipótese alguma.

A pretexto da indicação de Carlos Victor Guerra Nagem para um alto cargo da Petrobrás, Bolsonaro, também no Twitter, ironizou: "Peço desculpas à grande parte da imprensa por não estar indicando inimigos para postos em meu governo!". Em seguida, retuitou o filho Carlos: "Antes que a imprensa publique, aqui vai: Amigo particular de Jair Bolsonaro desde 1974, General Leal Pujol assume Exército hoje. Creio que o Presidente só deveria indicar inimigos para certos cargos!" Completando a mensagem com um emoji "chorando de rir".

Esses são apenas os exemplos mais recentes da forma como o novo governo resolveu lidar com a imprensa, mas eles fazem parte de uma estratégia mais ampla de esvaziamento da atividade jornalística, conhecida como "firehosing".

Durante a campanha eleitoral de 2018, testemunhamos, de perto, a aplicação dessa tática bastante conhecida nos Estados Unidos, que consiste na formação de uma espécie de indústria de notícias falsas que são espalhadas de forma massiva e descontrolada, como se alguém estivesse usando uma mangueira de incêndio, com toda a pressão possível. Daí o nome, já que "firehose" significa "mangueira de incêndio" em inglês. A tática foi identificada por pesquisadores norte-americanos que analisaram a máquina de propaganda de Putin. Depois, foi aperfeiçoada por Trump e, agora, utilizada à exaustão pela família Bolsonaro. A técnica aposta na divulgação de alto volume de conteúdo; produção rápida, contínua e repetitiva; não tem comprometimento com a realidade; e não tem comprometimento com a consistência entre discursos.

Mas por que essa estratégia pode causar um estrago ao jornalismo brasileiro? Porque o firehosing só funciona se os meios de comunicação tradicionais perderem credibilidade. Além disso, especialistas entendem que o público contaminado por uma notícia falsa tende a não aceitar a informação correta e apurada, independentemente das evidências apresentadas.

No Brasil, Bolsonaro conseguiu o feito de consolidar a narrativa de que toda crítica, todo apontamento de inconsistência, é fake news. E a comunicação direta do presidente com sua base, usando o Twitter como canal oficial, mostra que estamos diante de um presidente que esvazia a legitimidade da imprensa e de um público que não confia nos veículos de comunicação.

Não é o fim do mundo, mas é um caminho árduo que se desenha. Se nós, jornalistas, não reconhecermos a estratégia do firehosing como real, jamais conseguiremos fechar a mangueira que pode nos afogar.

Geórgia Santos é jornalista e idealizadora do Vós.

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