Agenda pública mapeada pela mídia

Por Elstor Hanzen

Assim como existe mapa geográfico para se orientar; há o mapeamento do mundo intelectual e psicológico, organizado por valores e conceitos simbólicos. No último, em especial, a mídia tem alta participação e influência sobre o que percebemos como realidade e, consequentemente, determina muito aquilo que afirmamos como cultura. O detalhe, porém, é que os meios de comunicação selecionam e produzem um limitado número de notícias dentre uma infinidade de assuntos disponíveis no cotidiano. Metaforicamente, apresentam uma janela pela qual pretendem que enxergamos o mundo.

Seja por motivos ideológicos, econômicos, estruturais ou todos somados, o reduzido cardápio de assuntos é construído e exposto pela imprensa como essencial para o interesse e o debate público e se incorpora à agenda de discussões das pessoas, mesmo que não seja prioridade para quem o consome. Essa influência é mais intensa à medida que a pessoa tem menos capacidade interpretativa e crítica da realidade que a cerca. Logo acontece uma correlação da agenda da mídia e da pública.

Os recursos, os métodos e as estratégias utilizados para sensibilizar, estabelecer diálogos, fixar mensagens, criar consensos e até modismos para ocupar o espaço da nossa mente foram estudados no jornalismo por Maxwell McCombs e outros autores na década de 1970. A Teoria da Agenda: A mídia e a opinião pública é o livro que trata de todo o contexto da investigação.

A teoria tem como base os meios de comunicação de massa - jornal, rádio, TV - e sua influência na decisão do voto dos eleitores nos EUA, naquela época. A pesquisa comparou que os temas mais relevantes considerados pelos eleitores foram também os mais enfatizados pelos meios de comunicação. Ou seja, os assuntos mais expostos pela mídia eram muito semelhantes aos que os cidadãos tinham como preocupação. Essa convergência ia aumentando à medida que as pessoas consumiam as informações, mesmo não mudando rigorosamente nada na prática nem nas estatísticas, apenas a percepção e a sensação alteravam-se em relação aos temas em pauta.

Mesmo não fazendo isso deliberadamente, os temas escolhidos, salientados e apresentados pela imprensa acabam repercutindo na vida da sociedade. Nesse caso, na melhor das hipóteses, a influência das notícias na opinião pública seria uma espécie de subproduto da escolha da mídia. De qualquer modo, as pessoas tendem a incluir ou excluir de seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo.

Aplicando o estudo à realidade mais prática. O baixo índice de leitura e de absorção da informação, a falta de contextualização do debate e a não análise crítica das notícias são causas que favorecem a narrativa da mídia na disseminação de sensações como base para a formação da opinião pública. Outro aspecto importante a ser observado no contexto é quando menor o conhecimento e mais longe do contato direto o assunto estiver da nossa convivência, tanto mais somos influenciados, segundo a teoria. Assim a estratégia da mídia de dar destaque a determinado tema, a forma de hierarquizá-lo ou ocultá-lo do espaço público parece coisa natural, e saímos por aí reproduzindo essa visão de mundo como se fosse verdade absoluta.

A recepção e aceitação das informações sem critérios e sua simples reprodução acabam favorecendo um olhar unilateral do mundo, o autoritarismo e a propagação de notícias falsas. Essa forma parcial e limitada de julgar assuntos de interesse coletivo pode ser exemplificada na cobertura sobre a reforma da Previdência Social, que segue em evidência em 2018. A mídia ressalta de forma incisiva e sempre os mesmos aspectos. A narrativa que predomina na imprensa oficial parte sempre da mesma perspectiva, contemplando a demanda dos megaempresários e do governo que tenta justificar a necessidade à população. Argumentando que as pessoas envelhecem mais, têm poucos ganhando muito e que o sistema irá quebrar sem a reforma. Por outro lado, foi realizada uma CPI no Senado para averiguar a situação. E a conclusão foi bem diferente: a Previdência é superavitária e a reforma visa sacrificar a camada mais pobre da sociedade, não os privilegiados. Porém, desta versão se têm poucas notícias na imprensa oficial, sem qualquer cobertura massiva nem destaque do assunto na agenda da mídia.

Afinal, o que esperar de um jornalismo que não consegue dar duas visões de um fato de forma equilibrada, apoia sem qualquer senso crítico a agenda de um governo sobre um tema altamente complexo e de interesse de toda a população. Para um bom leitor a resposta parece clara - isso não é jornalismo e, sim, propaganda.

Por isso, para se apropriar de forma mais autônoma das questões públicas, é preciso olhar muito além da janela pela qual a mídia nos mostra as coisas, independente de quão agradável esse visual possa parecer, há muitas janelas e portas para se enxergar o mundo. Ou seja, como já ensinava o educador Paulo Freire, é preciso fazer o próprio o caminho, e não seguir um já previamente construído, libertando-se de chavões e verdades absolutas.

Realidade distorcida

Na pós-modernidade e na dinâmica da internet, poderia se concluir apressadamente que com as redes sociais e com a hiperinformação estaríamos melhor informados e com uma visão mais plural dos assuntos, além de uma percepção precisa das questões públicas. Só que não. Prova disso é a recente pesquisa feita pelo instituto Ipsos, em 38 países, a qual concluiu que o Brasil tem a segunda população com menos noção da própria realidade. O estudo entrevistou 29,1 mil pessoas, entre os 28 de setembro e 19 de outubro, de 2017.

Os temas abordados no estudo foram diversos: homicídio, ataques terroristas, gravidez na adolescência, vacinas, Facebook. As repostas dos entrevistados divergiram muito dos dados e informações corretas. Todos os países acreditam que a gravidez na adolescência seja mais frequente do que é na realidade, especialmente na América Latina e África do Sul, mas os brasileiros foram os que mais erraram essa questão, por exemplo. O dado oficial é 6,7%, contudo a população local pensava que fosse 48% a taxa de grávidas na faixa etária entre 12 e 18 anos.

No campo da própria tecnologia e comunicação, a população tem uma percepção errada sobre o quanto as pessoas estão conectadas em redes sociais. Os brasileiros achavam que 83% estavam conectados na rede de Mark Zuckerberg, mas são 47%. Já a percepção dos que acham quem tem shartphone foi de 85%; na verdade, o número é de 38% apenas.

Portanto, além de sermos condicionados a achar os assuntos e os tópicos ressaltados pela mídia os mais importantes para nossa própria agenda, estamos tendo uma percepção distorcida e sensação alterada da realidade. Isso, no mínimo, requer uma reflexão do papel da imprensa na era do excesso de informação, pois, contraditoriamente, temos carência de informação segura e percepção limitada da realidade, senão, completamente errada. Em último caso, estamos mal informados. Resultando na velha máxima: quantidade não é sinônimo de qualidade.

Elstor Hansen é jornalista com especialização em Jornalismo e Convergência das Mídias.

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