Hoje não, jornalista

Por Márcio Fernandes Um dos males do estudante de jornalismo é não discernir o que é propriamente jornalismo e o que é entretenimento. Na …

Por Márcio Fernandes
Um dos males do estudante de jornalismo é não discernir o que é propriamente jornalismo e o que é entretenimento. Na maioria dos casos, nem mesmo os profissionais da área sabem fazer esta distinção (ou não querem). Na cobertura que a Rede Globo de Televisão faz da Fórmula 1 acontece sempre essa confusão. A emissora prega que pratica jornalismo clássico, quando o que se vê é uma profusão de entretenimento mal produzido.
Há anos que é assim, mas o episódio do domingo passado, quando Rubens Barrichello deixou seu companheiro de equipe vencer (Michael Schumacher), foi sintomático do que ainda está por vir - o opinionismo ou, o que é pior, a falta de opinião, abrindo espaço para o "achismo".
Patética é a melhor definição encontrada para descrever a atuação do narrador Cléber Machado e do comentarista Reginaldo Leme nos instantes finais do Grande Prêmio da Áustria. Quando deveria estar informando qual a distância, a cada momento, entre os carros de Barrichello e Schumacher, Cléber optou por mandar uma mensagem à dona Adeli, mãe do piloto brasileiro, dizendo que esta estava prestes a ganhar um presente de Dia das Mães - a vitória do filho. Nos metros finais, enquanto Schumacher claramente se aproximava, Cléber tinha visão apenas para dizer "hoje sim, hoje sim (o Barrichello vai ganhar)?", tendo que finalizar com um patético "hoje nãoooooooo?", quando o alemão cruzou em primeiro.
Faltou competência para informar aos telespectadores, faltou informação, a mesma informação que Reginaldo Leme deixou de trazer à tona quando se absteve de votar na vitória do brasileiro ou de apostar numa reviravolta da prova, o que acabou acontecendo nos instantes finais, enquanto os dois apenas torciam pela conquista verde-amarela.
No domingo passado, faltou informação, faltou espaço para o jornalista mais uma vez. Sobrou torcida, no melhor estilo Galvão Bueno. Claro que é um direito da emissora adotar a linha do entretenimento que bem entender. Felizmente, vive-se um momento democrático no país há quase duas décadas. Ao mesmo tempo, falta respeito para com o telespectador, ao colocar no ar profissionais que já estão superados. E, quando se debate um tema como esse nos cursos de jornalismo, vê-se um quadro negativo: os estudantes acabam avaliando que a situação não é tão negativa assim, mas que Cléber Machado e Reginaldo Leme são, sim, jornalistas-modelo, mesmo que à custa de contribuir para a desinformação do público. Como gostava de dizer Paulo Francis, o capim é mesmo nosso.
* Jornalista e professor universitário

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