Lição de brasileiro sobre ética em Assessoria de Imprensa

Por Mário Rocha, para Coletiva.net

Recente artigo de Bianca Persici Toniolo publicado por Coletiva.net ressuscita questão que já julgava encerrada e, por isso, creio oportuna a produção desta recensão crítica. Mas não pela coincidência de pontos de vista que temos, Bianca e eu e os colegas d'além-mar, quanto à inadequação da concomitância do exercício do chamado 'duplo emprego' em órgão da imprensa e em assessoria de imprensa de instituições públicas, privadas e não-governamentais.

O que preciso analisar são as inconsistências e fragilidades no restante da argumentação produzida. Faço-o mediante a indicação de conteúdos factuais, portanto substantivos, a contrastar com simplificações adjetivadas. Destaco as orientações das Diretrizes Curriculares para o Ensino de Jornalismo ora vigentes no Brasil e conduzo, a seguir, rumo a uma tese favorável à atividade de assessor de imprensa como sendo prática jornalística.

No Brasil, provém de Eugênio Bucci a negação ampla mais contumaz e competente. É mencionado pela autora como fonte corroborativa da posição que assumiu e garimpo duas referências importantes em que Bucci explicita tal pensamento: um artigo em O Estado de S. Paulo (09/08/2010), disponível em http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,assessor-de-imprensa-e-jornalista-imp-,607224, e a parte brasileira de ampla abordagem sobre a conflitante temática presente na primeira edição (2014) da Revista de Jornalismo ESPM.

No texto linkado, intitulado justamente Assessor de Imprensa é jornalista?, Bucci investe, com razão, contra o artigo 7.º, inciso VI, do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. O inciso mencionado reconhece implicitamente que não há qualquer problema ético no duplo emprego. O documento foi aprovado em 04/08/2017 no congresso da Federação Nacional dos Jornalistas realizado em Vitória, Espírito Santo e está disponível em http://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04-codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf.   

No passado recente, em Porto Alegre, abundavam ocorrências. A opinião a respeito, em 1992, dos jornalistas de redação que trabalhavam nos diários impressos de Porto Alegre está presente em ampla pesquisa de Leandro Debom Steiw. Orientei seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs. Intitula-se, justamente, A ética do duplo emprego em jornalismo: assessoria de imprensa e veículo de comunicação. É uma leitura interessante, passados 26 anos e está disponível na Biblioteca da Fabico. Na época, era tolerado ser jornalista em jornal e fora dele, simultaneamente.  Em Zero Hora, a situação mudou com a chegada de Augusto Nunes, que comandou a redação entre 1992 e 1996, mas isto é outra história...

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros precisa ser revisto quanto a este ponto e em razão das muitas alterações com impacto nos afazeres jornalísticos, ao longo de uma década: na tecnologia, no modo e intensidade de acesso às informações por parte dos públicos (audiência), nos processos de produção jornalística (newsmaking) e de seleção dos conteúdos (gate keeper), nos rumos do negócio da comunicação.  É, no entanto, imprescindível a preservação e fortalecimento do que dispõe no art. 4º: "O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação".

A negação da assessoria de imprensa vai na contramão do entendimento da comissão de especialistas presidida por José Marques de Melo que produziu parecer para as já citadas Diretrizes Curriculares do Ministério da Educação para o ensino de jornalismo. O documento produzido por ela está disponível em http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/documento_final_cursos_jornalismo.pdf.

Dele decorrem as Diretrizes, disponíveis em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=14242-rces001-13&category_slug=setembro-2013-pdf&Itemid=30192, onde é estabelecida, nos incisos VII e VIII do art. 4º, a orientação para que os projetos pedagógicos dos cursos de bacharelado em Jornalismo incluam rotinas de trabalho do jornalista em assessoria a instituições de todos os tipos e preparem profissionais autônomos.

No art. 5º, as Diretrizes elencam competências pragmáticas, inclusive estas: k) elaborar, coordenar e executar projetos editoriais de cunho jornalístico para diferentes tipos de instituições e públicos; l) elaborar, coordenar e executar projetos de assessoria jornalística a instituições legalmente constituídas de qualquer natureza, assim como projetos de jornalismo em comunicação comunitária, estratégica ou corporativa.

No artigo 6º, entre os seis eixos de formação estão os de Aplicação Processual (V) e de Prática Laboratorial (VI), os quais mencionam expressamente as assessorias de imprensa. Estamos no Brasil, não nas plagas cabralinas, é bom lembrar antes de pugnar pela importação de concepções válidas para outras realidades. Assim, ensinar para atuar em assessoria de imprensa e desenvolver vocações empreendedoras (os tais autônomos) é determinação vigente para todos os cursos de Bacharelado em Jornalismo do Brasil.

Torna-se quase singela a tese que defendo há muitos anos e particularmente agora, como professor da disciplina de Assessoria e Consultoria em Comunicação, pré-requisito para a de Assessoria de Imprensa, ambas obrigatórias no currículo do curso de bacharelado em Jornalismo da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs.

Não é onde o jornalista trabalha e quem o remunera o que permite distinguir as condutas éticas das não éticas.

Somente a análise sobre como se comporta cada jornalista pode dimensionar a aderência, ou não, ao que as Diretrizes determinaram ensinar, segundo o artigo 4º inciso I, ou seja, "formar profissionais com competência teórica, técnica, tecnológica, ética, estética para atuar criticamente na profissão, de modo responsável, produzindo assim seu aprimoramento".

Em síntese, entendo que um jornalista pode atentar fortemente contra a ética profissional ao desservir a sociedade para, por exemplo, agradar patrão e preservar emprego em uma numerosa redação de um grande e poderoso conglomerado de órgãos de imprensa. E que pode um jornalista exercer plena e dignamente sua profissão em uma assessoria de imprensa, mesmo às custas do seu contrato de trabalho como pessoa física ou jurídica, recusando-se à omissão ou distorção de informações se isto for exigido pelo contratante de seus serviços.

 Esta conclusão pode partir do ensinamento exemplar de Claudio Abramo presente no livro A Regra do Jogo (Companhia das Letras, 1988). Ele escreve texto sobre A Ética do Marceneiro e afirma que uma ética profissional não pode sobrepor-se à ética do cidadão. Destaco a reflexão, em 2010, de Clarice Gontarsky Esperança (assina Clarice Esperanza), no artigo-desabafo para JornalismoB, iniciativa de Alexandre Haubrich. Ambos jornalistas e ex-alunos da Fabico/UFRGS (1990 e 2009, respectivamente), ambos com trajetória profissional destacada. Está em http://jornalismob.com/2010/03/17/a-etica-do-marceneiro/.

Resumo meu pensamento. Não existem os dois lados do balcão. Simplesmente porque não há balcão. Duplo emprego? Não, por evidente desvio ético. Trabalhar (como empregado ou empreendedor) em redação ou em assessoria de imprensa? Apenas opção profissional na qual a presença ou ausência da ética serão evidenciadas pela conduta profissional diária, nunca pelo lançamento prévio de estigmas discriminatórios, eventualmente néscios.

Mário Villas-Bôas da Rocha é jornalista, professor da Fabico e diretor da Associação Riograndense de Imprensa (ARI).

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