Mudanças históricas na radiodifusão brasileira

Por Orestes de Andrade Jr, para Coletiva.net

No dia em que o País assistiu o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitar, por 6 votos a 5, o pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, abrindo caminho para a sua prisão, que acabou ocorrendo dois dias depois, a profissão de radialista sofreu a mudança mais radical em quatro décadas. Em 5 de abril de 2018 foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o Decreto nº 9.329/18, que alterou o Decreto nº 84.134/79, a chamada Lei dos Radialistas, diminuindo em 73,4% as funções relacionadas à profissão. O decreto foi assinado pelo presidente, Michel Temer, na mesma solenidade de sanção da flexibilização do horário do programa A Voz do Brasil, que agora pode ser veiculado no intervalo das 19h às 22h e não mais obrigatoriamente das 19h às 20h.

No antigo Decreto 84.134, de 1979, que regulamentou a lei 6615, havia 94 funções a serem exercidas por radialistas. Elas eram divididas em três grupos de atividades (administração, produção e técnica). O novo decreto diminuiu estas funções para 25 - praticamente 1/4 do que havia antes. A justificativa para as mudanças foi a atualização ocupacional e a correção das defasagens geradas pelo avanço tecnológico. Veja a íntegra do novo decreto no link http://bit.ly/leiradialistas. Em síntese, foram aglutinadas algumas funções, que ainda tiveram suas descrições das atividades simplificadas, e criadas atividades que surgiram nos últimos anos com novas tecnologias.

Repercussão

Os sindicatos da categoria, obviamente, são contra as mudanças. "A consequência do novo decreto é clara: as empresas ficam eximidas de pagar os acúmulos de funções. Os trabalhadores vão passar a ganhar menos pelo mesmo trabalho de antes", declarou, por meio de parecer jurídico, o Sindicato dos Radialistas do Rio Grande do Sul em seu site (https://bit.ly/2H3KH3T).  

A reclamação leva em conta o sistema de remuneração dos radialistas, que, historicamente, na legislação, esteve baseado no pagamento por cada função exercida. Assim, o radialista recebia um adicional que varia de 10 a 40% do salário por acúmulo de função. Na prática, isso nem sempre acontece, mas, na Justiça, os trabalhadores orientados por seus sindicatos conseguem recuperar estes valores.

A Federação Nacional das Empresas de Rádio e TV (Fenart), por sua vez, comemorou a atualização do Quadro de Funções da Lei do Radialista. "Entendemos que é muito positiva a iniciativa do Legislativo, apoiada pelo governo federal, que identificou a defasagem da regulamentação que era aplicada até então", disse o presidente da Fenaert, Guliver Leão. "A atualização é importante tanto para as empresas, que terão segurança jurídica para atuar, como para os funcionários, que se adaptarão a uma nova realidade de mercado", disse ele, em matéria publicada no site da Fenarte (https://bit.ly/2Gz8aO7).

Registro

O exercício da profissão de radialista segue necessitando de prévio registro na Delegacia Regional do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (TEM), hoje chamada de Superintendência Regional do Trabalho. Mas o pedido deste registro mudou. Antes, o registro poderia ser encaminhado pelo sindicato representativo da categoria profissional ou da federação respectiva, mediante um certificado de capacitação, que deveria ser fornecido por unidade integrante do Sistema Nacional de Formação de Mão-de-obra, credenciada pelo Conselho Federal de Mão-de-obra.

Agora, o profissional poderá encaminhar o registro apenas com o atestado das entidades descritas no art. 8º, que sofreu alteração. A nova redação, dada pelo Decreto nº 9.329/2018, inovou simplificando ainda mais a forma de como o profissional deve obter o atestado de capacitação técnica, que passa a não exigir curso específico. Até mesmo as empresas de radiodifusão podem comprovar a capacidade técnica dos profissionais de rádio, após seis meses de experiência prática.

Mudanças

As maiores inovações estão nas denominações e funções das atividades dos radialistas, agrupando funções que antes eram fragmentadas, extinguindo as que não são mais necessárias e criando novas ocupações que surgiram nos últimos anos.

Das 94 funções arroladas no decreto de 79, o grupo Administração teve uma função extinta (rádio e TV fiscal) que foi substituída por outra (controlador de operações). No grupo Produção, sobraram 14 funções das 58 anteriores. No grupo Técnica, das 35 funções restaram 10.

As sete funções de Locutor elencadas anteriormente (Locutor anunciador; apresentador-animador; comentarista esportivo; locutor esportivo; noticiarista de rádio; noticiarista de televisão e entrevistador) foram unificadas em uma única função - Locutor Comunicador.

A antiga lei regia inclusive profissionais de outros setores que não são exclusivos da radiodifusão, como cabeleireiro, técnico de ar condicionado, eletricista e mecânico. Quando contratados por emissora de rádio ou TV, estes profissionais cumpriam jornadas reduzidas de trabalho diferentes das aplicadas no mercado.

Na nova redação dada pelo Decreto nº 9.134/18, o Setor de Tratamento e Registros Sonoros e Audiovisuais aglutinou dois setores: Tratamento de Registros Sonoros e Tratamento de Registros Visuais, respectivamente. Assim, tornaram-se extintas as seguintes funções: Operador de áudio; Operador de Microfone; Operador de Rádio; Operador de Gravações; Auxiliar de iluminador; Editor de VT; Operador de Cabo; Operador de Máquina de Caracteres; Operador de Telecine; Operador de vídeo; e Operador de VT.

Devido ao avanço tecnológico, algumas novas atividades foram criadas - como Editor de Mídia Audiovisual, Operador de Mídia Audiovisual, Assistente de Operações Audiovisuais e Técnico de Sistemas Audiovisuais. A atividade Técnica teve a extinção de vários setores, tais como:

- de Montagem e Arquivamento e todas as funções, como: Almoxarife Técnico; Arquivista de Teipes; e Montador de Filme.

- de Transmissão de Sons e Imagens e todas as funções, como: Operador de Transmissor de Rádio; Operador de Transmissor de Televisão; e Técnico de Externas.

- de Revelação e Copiagem de Filme e todas as suas funções, como: Técnico laboratorista; e Supervisor Técnico de Laboratório.

- de Artes Plásticas e Animação de Desenhos e Objetivos e a função de Desenhista.

- de Manutenção Técnica e todas as suas funções, como: Eletricista; Técnico de Manutenção Eletrotécnica; Mecânico; Técnico de Ar Condicionado; Técnico de Áudio; Técnico de Manutenção de Rádio; Técnico de Manutenção de Televisão; Técnico de Estação Retransmissora e Repetidora de Televisão; e Técnico de Vídeo.

Importante salientar que a regulação das atividades de radialistas foi baseada, há 39 anos, nos equipamentos e na prática diária da época. Ou seja, a lei estava evidentemente obsoleta, com várias funções do antigo decreto já inexistentes e outras completamente defasadas pelo avanço da tecnologia - do analógico para o digital.

Nesse sentido, os decretos assinados no dia 4 de abril de 2018 e publicados no dia 5 de abril, atualizando a profissão de radialista e flexibilizando a veiculação de A Voz do Brasil, representam avanços para a radiodifusão. A Lei dos Radialistas tinha quase quatro décadas e A Voz do Brasil mais de 80 anos. Nesse tempo, ocorreram muitas mudanças no mundo e no País. A evolução tecnológica alterou a profissão e a necessidade de um programa em rede nacional, no mesmo horário. Os decretos, portanto, fazem uma importante adequação ao nosso tempo.

Tanto a profissão de radialista como o programa mais tradicional do rádio brasileiro são, dessa forma, atualizados, atendendo a uma evolução constante e já ocorrida nos últimos anos. Nesse novo Brasil, não cabem quase 100 funções diferentes em uma mesma profissão e não se sustenta a compulsoriedade na transmissão de um programa de rádio oficial. A liberdade, nos dois casos, inspirou os dois decretos, trazendo avanços para os radialistas, para as empresas de radiodifusão e para os ouvintes. 

Orestes de Andrade Jr. é presidente da Fundação Piratini.

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