Mulheres na publicidade: Por fora, bela viola?

Por Rafaela Lotto

Essa semana, as meninas do 65/10 lançaram um projeto incrível: um banco de imagens com as mulheres que a publicidade não mostra. Tá aqui pra quem quiser entender melhor o projeto, comprar e usar as imagens de todas aquelas mulheres que não são retratadas em comercial, anúncio, post do Facebook, site e blog,  em situações que elas poderiam perfeitamente estar.

Eu não estou falando das campanhas empoderadas, daquelas que ganham prêmios, que quebram paradigmas e põem a marca à prova de todos os preconceitos que a sociedade ainda tem com o que é diferente.

Estou falando daquela situação corriqueira, em que você precisa de uma imagem de uma pessoa trabalhando, para ilustrar uma parte do site do seu cliente que vende móveis para escritório. O que você vai encontrar no banco de imagens? Homens trabalhando, mulheres brancas trabalhando, jovens magros trabalhando. Você nunca encontra essa foto aqui:

Sabe por quê? Porque mulheres gordas e negras são invisíveis para a publicidade. Para você diretor de arte que fez a peça, para você cliente que aprovou, para cada pessoa envolvida nesse processo.

Você pode falar sobre os benefícios da prática de exercícios e não colocar uma mulher trans malhando no seu anúncio. Simplesmente porque mulheres trans malhando são invisíveis para a publicidade e você não vai encontrá-las no banco de imagens que costuma usar. Mas elas existem, malham, consomem, opinam e influenciam outras pessoas. Você poderia usar essa foto aqui:

Eu sou CEO de uma agência de publicidade e sei o quanto todos nós, nesse meio publicitário, nos achamos antenados, modernos e sem preconceitos. O quanto vendemos toda a inovação que está por trás de cada etapa do nosso maravilhoso processo criativo, o quanto precisamos e dependemos de ideias e conceitos frescos para nos destacarmos como profissionais e como empresas. Fazemos isso para atrair melhores cargos, melhores clientes, maiores investimentos de mídia e não necessariamente para atrair a atenção da sociedade para uma realidade escondida atrás de milhares de leões de Cannes que adoramos adorar.

Eu conheço pouquíssimas pessoas negras que trabalham na publicidade, realmente estou empenhada em trazer pessoas negras para o nosso quadro de funcionários e elas, muitas vezes, não puderam nem me enviar um CV, porque também não tiveram a oportunidade de entrar numa faculdade, pois, provavelmente, a elas faltaram muitas outras oportunidades na vida.

A gente que se acha tão moderno tem uma taxa de mulheres CEOs nas agências irrisória. Entre as 50 maiores agências de publicidade do Brasil, segundo o Kantar Ibope, apenas três têm CEOs mulheres*. E essas únicas três mulheres dividem o cargo com um homem. São CO-CEOs. Isso é tão emblemático.

Esse número representa uma taxa de 6%, quando a média (ainda baixa) do Brasil é de 16% de empresas com mulheres na presidência, segundo a  Pesquisa Women in Business, da consultoria Grant Thornton.

Considerando a diversidade do nosso país e o poder de influência que essas agências têm na população brasileira, a falta dessa representatividade (ainda que restrita a gênero nessa análise) gera uma visão altamente distorcida da realidade. Não à toa, empresas que geram alto impacto na sociedade (como o Google, por exemplo) têm uma forte preocupação com a diversidade, para representar de maneira mais fiel seus comportamentos em seus produtos. "A diverse mix of voices leads to better discussions, decisions, and outcomes for everyone." - Sundar Pichai, CEO, Google.

Esse assunto é tão latente que um tumblr ironiza os anúncios de contratação das agências que, normalmente, são dominados por homens. www.findthewoman.tumblr.com

A presença das mulheres nas agências passa por muitas questões como a "glamourização" dessa cultura de trabalhar até tarde, virar noites, estar 100% disponível, que é incompatível com a jornada dupla que muitas mulheres enfrentam. Mas o mundo está mudando, homens estão assumindo outros papéis em suas famílias e estão também cada vez menos tolerantes a rotinas impostas por esse modelo antigo do nosso segmento. Nosso Diretor de planejamento tem uma filha de 4 meses e, desde que ela nasceu, ele voltou todos os dias pra casa à tempo de dar o banho da noite na Nina e acompanhou todas as consultas ao pediatra. Ele não abre mão disso, eu me orgulho demais de tê-lo por aqui. Não sei se essa seria a realidade dele em outra agência.

O resumo da ópera é que existe uma mudança estrutural que precisa acontecer, iniciativas como a das mulheres (in)Visíveis só escancaram a nossa realidade: a gente não é tão moderno quanto dizem nossas apresentações de power point.

Campanhas lindas e empoderadas estão enchendo nossas timelines todos os dias, ganhando prêmios, vendendo batons, perfumes, carros. Mas como dizia a minha avó, que nem sabe muito bem o que eu faço até hoje: Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.

*os cargos foram pesquisados no portfólio de agências do Meio e Mensagem e nos sites das agências presentes na lista das 50 maiores agências de publicidade do Brasil feita pelo Kantar Ibope.

Rafaela Lotto é CEO na Content House - agência digital com 8 anos no mercado que atende clientes como Ferrero Rocher, Nutella, KitchenAid, Pioneer e Catupiry.

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