Na cozinha da Globo

Por Mario de Almeida Em janeiro de 1977 a TV Globo iria inaugurar novas instalações administrativas na Rua Lopes Quintas, edifício que se junta, …

Por Mario de Almeida
Em janeiro de 1977 a TV Globo iria inaugurar novas instalações administrativas na Rua Lopes Quintas, edifício que se junta, pelos fundos, com o edifício inaugural, na Rua Von Martius, no Jardim Botânico. Walter Clark, então diretor Geral, convocou-me para implantar a house da Rede, a Agência da Casa. As obras atrasaram e a Agência começou a funcionar, literalmente, na minha casa.
O "mais velho", como o "nosso companheiro Roberto Marinho" era chamado entre nós, levou muitos meses para ir conhecer as novas instalações e sua sala presidencial. Numa hora de almoço, faltou luz, e eu, que trabalhava no 6º andar, ia descendo as escadas quando quase fui atropelado pelo diretor Administrativo, Joe Walach, e o Relações Públicas, coronel Paiva Chaves, que, com lampiões, desciam as escadas em correria. Chegando ao térreo descobri o motivo da aflição: Roberto Marinho chegara em sua primeira ida ao novo endereço. A sala dele era no 10º andar e ele comandou aos dois estafados "companheiros": - Vamos pela escada.
Ele era um "garoto" de 72 anos. Pouco tempo depois, resolveu montar um cavalo mais teimoso que ele e, na segunda queda, quebrou costelas e passou um tempo despachando no leito. Refeito, procurou as roupas de montaria e foi informado, por Ruth Marinho, sua esposa na época, que ela as jogara fora.
Eu, da Rede Globo, fui para a Fundação Roberto Marinho, onde adotei, para a instituição, o slogan criado pelo colega Carlos Pedrosa: "O homem é eterno quando seu trabalho permanece". Quando o "mais velho" ia completar 80 anos, os "companheiros" chamaram o pintor pernambucano João Câmara e encomendaram a ele uma biografia pictórica do chefe. Entre os quadros, havia retratos de amigos, inclusive o de Armando Falcão, o mais truculento de todos os ministros da Justiça da ditadura militar e o que mais desserviu a cultura do país, através de uma Censura politicamente retrógrada e moralmente imbecil, para falar apenas o mínimo. Os funcionários sabiam quando eu estava na casa, pois, sempre que eu estava, havia um contínuo encarregado de virar o quadro deste que, na minha opinião, foi um equívoco genético. Tempos depois, Roberto Marinho encarregou-se de virar as costas para o ex-amigo.
Minha última recordação do eterno jornalista se prende a um projeto que vendi à Rede Globo, sobre meio ambiente, e, ao falar sobre genética, ele me perguntou o que era um chester, que eu citara. O filho José Roberto explicou e, nessa nossa última despedida, ele me cumprimentou:

- Muito bom o seu projeto, jovem!

- O senhor é uma das poucas pessoas que ainda pode me chamar de jovem.
* Jornalista

Comentários