Nunca tantos foram processados

Por Érico Valduga Foi muito oportuno o requerimento do vereador Pedro Américo Leal de destacar, com um Grande Expediente da Câmara Municipal de Porto …

Por Érico Valduga
Foi muito oportuno o requerimento do vereador Pedro Américo Leal de destacar, com um Grande Expediente da Câmara Municipal de Porto Alegre, o transcurso, em 1º de junho, do Dia da Liberdade de Imprensa. Como o seu discurso foi intitulado "Liberdade de imprensa e exercício da profissão de jornalista", julguei também oportuno oferecer, em honrosa delegação de meus colegas presentes ou citados, alguns fatos sobre o exercício da profissão de jornalista no nosso Estado, e desta forma tentar aferir o estágio de liberdade de imprensa em que vivemos.
Nunca, na rica história de nosso Estado, processou-se tantos jornalistas como se processa hoje neste Estado. Nunca! Todos os que foram citados aqui têm, pelo menos, um processo. No ano de 1893, no século retrasado, ao tempo da Revolução Federalista, o então Presidente do Estado, Júlio Prates de Castilhos, mandou uma mensagem a chefes do seu Partido no Interior que lhe pediam orientação sobre como se comportar em relação aos oponentes. A resposta de Júlio de Castilhos tornou-se clássica, pelo seu autoritarismo e violência: "Respeitai as famílias e castigai nos bens".
Nós passamos por essa situação no regime militar, na ditadura que o vereador Pedro Américo Leal representou. Muitos perderam empregos que tinham ou foram impedidos de assumir empregos para os quais tinham sido convidados; outros, e aí um dos efeitos perversos da censura, passaram a autocensurar-se. Então, os militares e os censores comportaram-se como Júlio de Castilhos.
Vou citar um exemplo do que está acontecendo hoje, entre dezenas. Mas, antes, chamo a atenção para o que foi referido aqui, por um orador que me antecedeu, que usou a expressão "contraditório". O contraditório é da essência do Parlamento, de fato; agora, o que está acontecendo na área de comunicação aqui, no Estado do Rio Grande do Sul, principalmente aqui em Porto Alegre, não tem contraditório. Basta que se vá aos Cartórios das Varas e se levante a existência de processos; basta que se pergunte a jornalistas quanto gastaram para defender-se de processos movidos pelo Estado, através do Ministério Público. Quem me processa não gasta, usa a máquina pública; eu, que vou me defender, preciso gastar, na maioria das vezes recursos de que não disponho e que fazem falta à minha família. E os donos do poder sabem disso. Mas vou relatar um exemplo de como estamos pisando em terreno altamente movediço, de como estamos margeando liberdades democráticas de forma muito perigosa.
Um colega nosso, jornalista, tem um filho que estudava na PUC, estudava, já se formou, e fazia parte de uma dessas empresas júnior, chamadas Junior Achievement, que se constituem na Universidade para aqueles que estão nos semestres finais. A Junior Achievement, nesse caso, é para fazer com que treinem na Universidade o que lhes vai acontecer após formados. Elas imitam a composição de todas as empresas, têm diretor-presidente, diretor-técnico, diretor-comercial, o que lhes serve de treinamento para o futuro. Esses rapazes, da PUC, constituíram a empresa, e, por tê-la legalmente constituída, puderam participar de uma concorrência em um organismo público de Porto Alegre que queria fazer um house organ, um jornal do próprio organismo, da própria entidade. E participaram com muitos outros disputantes. Resultado: ganharam! Os guris ganharam e, para surpresa deles, ganharam de muita gente boa que está no mercado há muito tempo. Ao ser julgado o seu trabalho, disseram-lhes os licitantes, entidade pública, repito, que há muito tempo não viam um trabalho de tanta qualidade e que, possivelmente, outros organismos públicos da Prefeitura de Porto Alegre copiariam esse trabalho, porque ele era muito bom.
Mas, como essa entidade pertence à Prefeitura, teve que se reportar à Comunicação Social da Prefeitura. Lá na Prefeitura, o responsável pela área olhou o projeto vencedor, e concordou com a decisão, cumprimentando-os pelo feliz resultado da concorrência. O projeto era muito bom e os preços razoáveis. Continuou olhando o layout do projeto, olhando, elogiando, e daí a pouco parou os olhos onde estavam os nomes do diretores da empresa-júnior. E perguntou: "Esse nome aqui, ele é parente do jornalista tal?" O assessor da entidade que promovera a concorrência lhe disse que não sabia, mas que procuraria logo saber. Foi ao telefone, voltou e disse que era. "Então, esquece o projeto!", decidiu.
Um rapaz que estava começando no jornalismo foi punido por ter o pai que tem, e que ousou pensar e expressar-se de forma diferente da cartilha oficial. Vejam que barbaridade! Que desastre para o exercício da profissão! O exemplo da utilização da coisa pública foi tão lastimável que o assessor da entidade não se conformou e recorreu à área de comunicação social do Palácio Piratini. E lá no Palácio Piratini a reação foi a mesma: "mas que belo trabalho", "escolheram muito bem". Mas logo olharam o expediente, e perguntaram: "Esse nome tem alguma relação de parentesco com o jornalista tal?" A resposta já era sabida: "Tem, é filho". A conclusão foi a mesma, só mais brutal: "Então, esquece o projeto. Nós não vamos botar comida na mesa dessa gente!".
Foi isso o que foi dito: "Nós não vamos botar comida na mesa dessa gente!". Ou seja, se depender de quem administra recursos públicos em nome do conjunto da sociedade rio-grandense, os jornalistas que expressam opinião crítica sobre os atuais governos do Estado e da Capital passarão até fome. Não houve, no caso, e em muitos outros também desconhecidos da sociedade, sequer a visão ética de que as informações geradas pelo governo pertencem a todos os governados e a eles deve chegar. Os cidadãos têm direito à informação, a despeito do que cada um pensa. A informação tem força própria, ela precisa ser comunicada, ela precisa ser divulgada, não interessa o estado de espírito, não interessa o partido, não interessa a ideologia de quem a colhe. Isto, sim, seria liberdade de imprensa.
Gostaria de encerrar enfatizando uma informação. Creiam os senhores, é uma informação, não é opinião: nunca, neste Estado, tantos jornalistas foram processados e tantas famílias foram atingidas.
* Jornalista. Artigo baseado no pronunciamento feito no dia 7 de junho de 2002, na sessão da Câmara Municipal de Porto Alegre, em homenagem ao Dia da Liberdade de Imprensa e do Exercício da Profissão de Jornalista.
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