O diploma como a mídia não o vê

Por Juremir Machado da Silva Já fui contra a exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão. Como também fui contra a …

Por Juremir Machado da Silva
Já fui contra a exigência de diploma de jornalista para o exercício da profissão. Como também fui contra a obrigatoriedade de um certificado de curso superior para a prática de qualquer ofício das chamadas ciências humanas. Sempre me pareceu que o saber, se demonstrado no cotidiano, elimina a necessidade de qualquer comprovação cartorial. Aos poucos, compreendi que as situações reais de notório saber autodidata são raras. Aprende-se mesmo é na universidade. Aprende-se a aprender. Não só, claro, na universidade. Mas, para começo de conversa, fundamentalmente nela.
Sei que em muitos países desenvolvidos, como a França, não há exigência de diploma de curso superior para a atividade jornalística. Ainda assim as escolas de jornalismo são cada vez mais procuradas e os jornalistas quase sempre têm uma dupla formação: a parte técnica (redação e dinâmica da profissão) e um curso de ciências sociais, em geral de política. Por que, então, um diplomado em História não poderia exercer o jornalismo no Brasil? Pelo simples fato de que os cursos de História não se ocupam de ao menos 60% do que é necessário à bagagem e ao imaginário de um jornalista. Dito de maneira óbvia, mas jocosa, as faculdades de História, de Sociologia, de Direito, etc., formam historiadores, sociólogos, advogados, mas não jornalistas.
Um jornalista precisa estudar História, Sociologia, leis e por aí afora. Mas precisa também preparar-se para ser jornalista, o que vai muito além das técnicas de redação e de reportagem. Ao jornalista não basta ter noções gerais de sociologia; é preciso ter uma compreensão forte de sociologia da comunicação. No fundo, um jornalista é mesmo um especialista em generalidades; porém, e isso é menos dito, deve ser também um generalizador da sua especialidade. Nela, certamente, os demais são diletantes.
Aquilo que um jornalista aprende na universidade dificilmente poderá aprender diretamente na prática. Talvez por isso muitos empresários sejam contra a exigência de diploma. As faculdades continuam deficientes. Isso não é razão para invalidá-las. Ao contrário. No mundo universitário, com todas as suas contradições, o indivíduo mergulha na prática da reflexão, da interrogação, da dúvida, da fundamentação. Entendi isso ao voltar à universidade como professor.
Não temo estar fazendo uma defesa corporativa do diploma. Explicito o lugar de onde falo. Nos veículos, a chamada escola da vida, aprende-se o que a universidade não ensina; mas o inverso também é verdadeiro. É comum, nas redações, ouvir-se um velho jornalista rebater uma crítica com aquele ar de já-vi-tudo: "Sempre foi assim". A universidade começa por ensinar a questionar todos os dogmas, todos os lugares-comuns e todo o suposto bom senso das afirmações que se querem verdadeiras por serem velhas, não por serem sustentadas com argumentos. A boa universidade é uma escola da argumentação, dos fundamentos, da contestação, da crítica e da autocrítica.
Um bom profissional deve, antes de tudo, saber objetivar a sua própria profissão: não vestir a camiseta como um ideólogo, mas se posicionar como um examinador permanente das suas próprias condições de produção. É só na universidade que se pode aprender essa prática do auto-exame regenerador e inovador. E somente um curso de comunicação pode colocar a comunicação como centro de sua investigação existencial. A universidade é uma experiência de vida. Nela se deve aprender a ser contra: contra a ausência de discussão, contra as verdades impostas, contra as certezas que servem a poucos, contra os sistemas fechados e auto-explicativos, contra os que temem o poder da crítica. Se as faculdades de jornalismo não formam profissionais realmente críticos, os veículos desejam até mais do que isso e terminam por aniquilar qualquer veleidade reflexiva dos seus "operários".
A chamada prática é a escola do pragmatismo vulgar. O diploma faz-se mais do que nunca necessário. A qualificação das faculdades também. Uma faculdade de jornalismo deve preparar o melhor possível para a prática. Só que o essencial está em se conjugar essa formação com um poder real de provocação. O jornalista observa e interpreta, mesmo quando imagina estar cumprindo rigorosamente o mito da objetividade. Cabe à universidade ensiná-lo a ter consciência da sua atividade interpretativa e dar-lhe instrumentos para questionar os seus próprios paradigmas de interpretação.
Durante muito tempo se travou uma luta entre teoria e prática. Falso problema. A teoria é sempre uma prática. Não há prática sem teoria. Há somente pessoas incapacitadas de perceber os mecanismos teóricos das suas práticas. Sem diploma o jornalismo brasileiro será cada vez mais entretenimento e cada vez menos crítica. É uma questão de formação de imaginário.
* Jornalista e professor da Faculdade de Comunicação Social da PUCRS

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