O fim de uma era com a morte de Roberto Marinho?

Por Liandro Lindner Deus é mais Deus quanto mais distante e intocável ele está, diz Saramago em “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Lembro disto …

Por Liandro Lindner
Deus é mais Deus quanto mais distante e intocável ele está, diz Saramago em "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". Lembro disto quando vejo o tom sério e formal que o apresentador da edição de quinta-feira do Bom Dia Brasil anuncia a morte de Roberto Marinho. "O Brasil amanheceu de luto", diz Renato Machado num programa especial que dedicou 90% do seu espaço a repercutir o ocorrido e a lembrar a biografia do falecido. "Dos mortos só se fala bem" e esta máxima foi se espalhando pelo país. O presidente Lula decretou três dias de luto, a Câmara dos Deputados interrompeu uma sessão tumultuada e fez um minuto de silêncio. De Santo Domingo a delegação brasileira nos jogos do PAM anunciouque jogaria usando uma tarja preta presa ao braço, em sinal de pesar.
O homem que costumava dizer "quando eu morrer, se eu morrer", que construiu um império e que foi uma das figuras mais influentes nos últimos 70 anos da vida do Brasil termina sua história cercado de manifestações elogiosas. Eu sou um jornalista da geração que leu "A História Secreta da Rede Globo" de Daniel Hertz e que viu por diversas vezes um vídeo contando do poder de influência do patriarca das organizações Globo no país. Lá Marinho aparecia rindo com Fernando Collor, conversando animadamente com Médici, apertando a mão do sócio ACM. Eu assisti o debate final entre Collor e Lula e vi a edição parcial e distorcida que foi ao ar no Jornal Nacional do

dia seguinte.
Passados os anos de faculdade e já na era FHC, fui fazer uma visita à sede da Rede Globo no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Acompanhado de um amigo, andei por diversos locais, quando, na fila do elevador, encontro o próprio Roberto Marinho que, vendo o meu crachá de visitante, perguntou de onde eu era e se estava gostando da visita. Cheguei a achar que o corredor tinha ficado mais iluminado e tive a impressão de ouvir um coro de anjos. Ele disse que esperava que eu me sentisse bem lá e seguiu seu rumo. Não houve apertos de mão - seria demais - apenas acenos com a cabeça. Com mais de 90 anos ele lembrava mais o meu avô do que um "poderoso chefão".
É indispensável falar da contribuição de seu império para o desenvolvimento do Brasil e para a divulgação da arte brasileira no exterior. Na maioria dos países quando se fala que é brasileiro sempre vinham dois assuntos: Pelé e as novelas. Nascida no governo militar, ao qual apoiou até os estertores, a Rede Globo foi se

adaptando para a redemocratização e se aproximando mais das novas lideranças civis. Mesmo com perfil liberal e conservador, nunca deixou de ser alvo de aproximação de políticos e intelectuais de diversas tendências. Num país como o nosso, em que a educação ainda é um valor a ser consolidado, a televisão tem um papel fundamental.
Além disto, a democracia tem como um dos pilares a existência de uma imprensa livre. Por isto que em qualquer tendência a totalitarismo um dos primeiros passos é a intervenção e o controle estatal nos meios de comunicação.
Com certeza a Globo mudou e se adaptou nos últimos anos. Não é mais tão "bicho papão", embora sua influência não possa ser negada. Também mudam os políticos quando chegam ao poder, mudam os intelectuais ao sabor do vento ideológico, muda o eleitorado a cada emoção mais forte que vem à tona no período eleitoral, mudam algumas Instituições seculares em busca da modernidade. Muda a vida e mudamos todos nós.
A morte sempre desperta estes sentimentos de finitude e nos desperta para reflexões sobre o sentido da vida. Nem os poderosos estão imunes a este fim. A morte é democrática, atinge a todos. O fim de Roberto Marinho significa o fim de uma era na comunicação social do Brasil. Certamente a ideologia e o padrão da Rede Globo continuarão

além dele, mas o carisma pessoal - peça chave quando se fala em Comunicação - irá fazer falta na condução dos negócios e na ponderação entre extremos.
"Dos mortos só se fala bem". Fim de uma era e início de outra. O Rei está morto!!! Viva o Rei!!!
* Jornalista, pós-graduado em Teoria do Jornalismo e Comunicação de Massa.

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