O marketing eleitoral

Por Washington Olivetto Na política, o coadjuvante foi transformado em protagonista, o assistente em diretor, o acessório em essencial. E assim, aos olhos do …

Por Washington Olivetto
Na política, o coadjuvante foi transformado em protagonista, o assistente em diretor, o acessório em essencial. E assim, aos olhos do povo, os marqueteiros se tornaram mais importantes que os próprios candidatos aos mais altos cargos das nações. Isso não é o eixo de um romance kafkiano, nem um "probatio per absurdum", a tentativa de provar uma afirmação pela falsidade óbvia da sua contraditória. O que parece ficção é a realidade das campanhas eleitorais. E isso está acontecendo devido a boa parte da imprensa que, ingenuamente, vem creditando aos marqueteiros poderes de milagreiros.
Mais surpreendente talvez seja só a ingenuidade dos candidatos que passam a acreditar que, para serem eleitos, precisam deixar de ser os indivíduos que são para se transformarem no personagem que alguém lhes disse que "devem parecer aos olhos do consumidor". Por ser repudiável, esse processo de travestização precisa ser discutido e mais bem entendido.
Venho observando que, na disputa ombro a ombro pelas vagas do rico cenário político, juntam-se aos candidatos cada vez mais assessores, articuladores políticos, expertos e marqueteiros. Formando batalhões eleitoreiros, armam-se com pesquisas tão frágeis quanto prematuras e partem para conquistar o principal terreno político de hoje: o espaço editorial. A voracidade cotidiana e semanal dos jornais, revistas, rádios e TVs leva a imprensa a usar todas as pesquisas - quando não as recebe, ela faz as suas - para criar manchetes. Publica e divulga menos que previsões, que premonições, pouco mais que nada. Conta para milhões de cidadãos o que poucas centenas de Seusjoães e Donasmarias mal informados e mal perguntados responderam que fariam se a eleição fosse hoje e não daqui a 10, 9, 8, 7, 6, 5? meses.
Essa balbúrdia agita os sempre tensos operadores financeiros, para depois reverberar nas mentes dos sempre temerosos empresários tropicais ou tropicalizados. E esses temores, expostos nas manchetes do dia seguinte, aos poucos vão reformando as idéias dos Seusjoães e das Donasmarias. No meio dessa roda-viva da especulação transformada em fato, é inevitável que impere cada vez mais forte a voz dos expertos.
A avaliação que Carlos Eduardo Lins da Silva faz dessa mistura bombástica da ingenuidade com a desinformação já justifica a publicação e obriga à leitura de "O Marketing Eleitoral" (livro na www.saraiva.com.br a R$ 9,90). Até mesmo por gente que, como eu, conhece bem essa tragédia, não simpatiza com ela, jamais fez uma campanha política e tem certeza de que, se viesse a fazer, faria mal. A minha razão é pessoal: não gosto do processo de produtização dos postulantes a cargos públicos e acho que no mundo inteiro esse formato está tão hipervalorizado quanto exagerado. Só trabalho para empresas privadas e odiei ter ouvido, mais de uma década atrás, o pedido para "ajudar a transformar (nome de candidato presidencial depois eleito) naquilo que o povo quer ouvir".
Se por um lado a marquetização pode até beneficiar alguns candidatos muito honestos, mas pouco carismáticos, por outro pode prejudicar populações inteiras. Assessores que ajudam jogadores de futebol a vestir um terno Armani são uma coisa. Assessores que ajudam candidatos a cargos públicos a travestir sua personalidade são outra. Não estou dizendo que os candidatos não devam se comunicar. Estou só sugerindo que os limites éticos e estéticos dessa comunicação sejam restabelecidos.
"O Marketing Eleitoral" analisa - e bem - boa parte desse processo. Discute com propriedade a substituição do palanque da praça pelo palanque eletrônico, descreve conceitos e práticas do marketing eleitoral no mundo e a sua idolatrização no Brasil. Tratando o assunto com seriedade e sem esbarrar na chatice, deixa para o eleitor-leitor a possibilidade de julgar os limites éticos da política. Mas, infelizmente, o texto de Carlos Eduardo não analisa o ponto de vista estético. O livro mereceria ter mais um capítulo, dedicado a uma discussão básica na propaganda comercial e que deveria ser básica na propaganda eleitoral: Grandes idéias podem substituir grandes verbas; verdade e sinceridade conduzem à credibilidade; mais respeito pela inteligência do consumidor resulta em mais eficiência. Essa busca obsessiva, prática comum na publicidade das empresas sérias, não ocorre na publicidade dos candidatos. Nem dos sérios nem dos, digamos, não-sérios.
O que vemos, na maioria dos casos, são milhões de reais investidos às centenas em pseudo-estratégias de comunicação que, na verdade, são apenas a massificação de bordões tão sonoros quanto vazios. Com o acréscimo de vida inteligente, as campanhas políticas podem passar a obter melhores resultados com menos dinheiro. E o gesto de invasão da intimidade do eleitor (propaganda é intromissão) pode deixar de ser um ato de estupro mental para passar a ser um processo de sedução inteligente.
* Publicitário, presidente e diretor de criação da W/Brasil. O artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 10 de junho de 2002.
O marketing Eleitoral - livro na www.saraiva.com.br R$ 9,90

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