O mundo em transformação: o íntimo desconhecido vivido cotidianamente

Por Paulo Ratinecas

Uma revolução de relacionamentos está em andamento. Tanto nos vínculos interpessoais como em novos formatos de consumo. O conceito da disrupção está por trás dessa insurreição.

A disrupção ocorre quando são disponibilizadas inovações que oferecem produtos e processos mais acessíveis e criam um novo mercado de consumidores, desestabilizando empresas líderes.

O que fomentou tanta transformação? As razões são inúmeras. Conceitos como relevância, significado, pertinência, acessibilidade, mobilidade, valor e tempo adquiriram prioridade na vida privada e profissional.

O desenvolvimento tecnológico proporcionou que muitos deslumbrassem a limitação ou exclusão de intermediários nos processos, reduzindo custos, tempo e protocolos desnecessários. As novidades também oportunizaram formatos colaborativos com os consumidores. O envolvimento das pessoas para disseminar as inovações, e se beneficiar ainda mais com elas, incentivou o crescimento de muitos negócios, que começaram pequenos e conquistaram importantes fatias de mercado dos grandes concorrentes. Isso ocorreu na comunicação, entretenimento, transporte, segurança, alimentação, consumo, turismo, apenas para elencar alguns setores.

Agora, os relacionamentos se dão, em boa parte do tempo, com íntimos desconhecidos. O corte de intermediários e o consumo de serviços e produtos que foram transformados radicalmente geraram essa situação. O foco hoje privilegia segurança, conveniência, rapidez, agilidade, conforto, abrangência.

Não é somente a concorrência das novas tecnologias o que tem minado vários segmentos de mercado. São as próprias empresas que ficaram míopes em sua visão mercadológica. Erraram muito. Foram, inúmeras vezes, arrogantes e prepotentes em seus relacionamentos comerciais e impessoais. Falharam ao valorar mais os seus objetivos de curto prazo do que as sinalizações que os seus clientes enviavam subliminarmente.

Faltou entendimento para perceber as novas relações do mercado, o que facilitou o surgimento de formas alternativas de consumo. Com isso, a exigência de mudar o foco se agravou. Se antes o processo sinalizava a conveniência de perguntar para os clientes suas necessidades e desejos, hoje é fundamental estar ao lado e junto deles. É preciso acelerar a percepção, sendo cúmplice do foco do cliente e se antecipando, muitas vezes, a ele. Criar uma intimidade mercadológica é o que viabiliza o conhecimento para as novas tendências de consumo e de desejos.

Muitos não reconheceram os sinais. Pior, nem os procuraram. O poder hoje é transferido para o consumidor. Obviamente as pessoas optam pelo que é mais significativo e atraente. A opção recai em quem conquista a atenção delas e consequentemente o seu investimento.

A realidade tem criado uma conexão diferente. O relacionamento direto, na mesma dimensão de antes, com pessoas e empresas, percorre outros caminhos. Diariamente convivemos com íntimos desconhecidos. Temos centenas ou milhares de íntimos desconhecidos nas redes sociais, íntimos motoristas que sabem de nossos destinos, aplicativos que conhecem nossos gostos gastronômicos e musicais e que dominam com quem, quando e como nos comunicamos. Temos gerentes virtuais de contas financeiras, conversamos com robôs nos autoatendimentos e frequentemente nos alimentamos via as tele-entregas que estão substituindo as nossas cozinhas.

A consolidação da venda de serviços está cada vez mais formada em plataformas e aplicativos que disponibilizam a prestação de serviços, a venda de produtos de terceiros ou próprios. Em vários setores surgem novos líderes de mercado: transporte (Uber), comunicação (WhatsApp, Instagram, Facebook), turismo/acomodação (Airbnb), varejo (Amazon), alimentação (aplicativos de tele-entrega), entretenimento (Spotify, Netflix, games/vídeos on demand), além dos bancos digitais ocupando espaços e redefinindo a estratégia setorial.

O mercado digital, que tende a crescer sem parar, ainda tem um grande contingente de analfabetos digitais que não consomem através de aplicativos móveis e de plataformas digitais (o analfabitismo - assim denomino a falta de conhecimento digital - é o analfabetismo do século 21). Mas essa situação também está com os dias contados.

Vale ressaltar que mesmo nesse novo mundo nada substituirá a intimidade de um abraço e de um olhar sincero, ainda que muitas relações estejam homogeneizadas e transferidas por curtidas, compartilhamentos e avaliações quantitativas de satisfação.

O desafio será saber harmonizar a vivência com o íntimo desconhecido que acompanha cada um de nós. Todos queremos e precisamos sentir que essas inovadoras relações objetivam trazer maior satisfação e reconhecimento. Mas isso é ainda mais disruptivo.

Paulo Ratinecas é mestre em Administração de Empresas, sócio-diretor da MaxiMarket Gestão do Reconhecimento. Contato: [email protected].

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