O off é menor que a verdade

Por Luiz Cláudio Cunha Aos jornalistas que se chocaram com a quebra do off do senador Antonio Carlos Magalhães na revista IstoÉ e no …

Por Luiz Cláudio Cunha
Aos jornalistas que se chocaram com a quebra do off do senador Antonio Carlos Magalhães na revista IstoÉ e no Conselho de Ética do Senado, o abaixo-assinado, responsável pela dupla heresia, propõe uma hipótese: um cardeal da Santa Igreja Católica revela ao repórter, em off, que forçou relações sexuais com um jovem interno da diocese, o qual ele identifica pelo nome. Fala em confiança e pede, pelo amor de Deus, que não se publique a confissão. Dias depois, a polícia declara estar investigando uma rede de pedofilia que opera a partir da catedral e atinge dezenas, centenas de jovens do internato, a partir da denúncia formal do mesmo jovem identificado pelo cardeal. E aí, o que faz o repórter?
Alternativa 1: o repórter cala, em nome do off e da sagrada inviolabilidade do confessionário, remoendo-se num silêncio de penitência a cada nova revelação da polícia sobre a extensão do crime cometido sob a púrpura túnica do cardeal.
Alternativa 2: o repórter fala, quebrando o off e o princípio imaculado da confissão, iluminado pela revelação de que o cardeal, mais do que um santo homem abençoado pela confidência, não passa de um criminoso em série, portanto a própria notícia materializada sob o disfarce de um Príncipe da Igreja.
O purpúreo senador ACM é o cardeal da Bahia que se imaginou acima e além da justiça dos homens. Confessou um crime, admitiu a disseminação de sua prova material (o grampo) e pediu a solidariedade do repórter ao sigilo da transgressão que cometera. "Não alegou inocência, hipótese impossível depois de tudo o que dissera e fizera. Preferiu apelar para as virtudes do jornalismo e um de deus princípios básicos: o off, naquele momento a tábua de salvação que poderia fazer flutuar ACM e seu mandato.
O off é um instrumento do repórter que serve à proteção da boa fonte e da boa informação. Não é uma lei divina, até porque jornalismo não é uma igreja, muito menos igrejinha. Não procede, portanto, a simetria que se tenta estabelecer entre o repórter e o padre, ambos eventuais depositários de confidências que não podem nunca, jamais ser desvelados. Que papa do jornalismo é responsável pela transformação do laico off num autoritário dogma? Quem atirou a primeira pedra?
O off é uma prerrogativa, não uma fatalidade, de atribuição exclusiva do repórter. É ele quem decide sobre seu uso, extensão e duração. Nem o editor nem o veículo de comunicação excedem o poder, solitário, do repórter sobre o off. O repórter sustenta o off quando o off sustenta o jornalismo e a busca da verdade. O off mais famoso da história é o de Deep Throat, o informante ainda hoje anônimo que orientava os repórteres do jornal The Washington Post no escândalo de Watergate, que levou Richard Nixon à renúncia nos anos 70. Trinta anos depois, ele é uma fonte ainda preservada porque sempre protegeu a verdade e o jornalismo.
O repórter tem a obrigação de saber quando o off serve para o bem ou para o mal. Ele é o juiz irrecorrível, primeiro e única, desta terrível decisão. O off protege e eleva a informação. Não pode, por isso, ser desprotegido e rebaixado. O off mentiroso abastarda e fragiliza o jornalismo. O off criminoso condena e acumplicia o repórter. O senador ACM pediu off para uma mentira e para um crime. Disse que "uns amigos" fizeram o grampo. Não contou que era a própria Secretaria de Segurança da Bahia perpetrando o maior grampo coletivo da história da República. Esta era uma "informação pública relevante" que não podia ser sonegada ao País. O senador, que se dizia fonte, perdeu o privilégio do off ao se revelar a própria notícia, o alvo da investigação, o autoconfesso mandante de um crime federal. O repórter quebrou o off porque o senador quebrou o direito constitucional ao sigilo telefônico.
Com 33 anos de jornalismo, aprendi a profissão lendo, ouvindo e convivendo com gente como Mino Carta, Paulo Totti, Ricardo Setti, Elio Gaspari, Marcos Sá Corrêa, Dorrit Harazim, Zuenir Ventura, Jorge Escosteguy, Raimundo Rodrigues Pereira, Elmar Bones da Costa. Aprendi com eles o que o jornalismo tem de melhor. E todos nós, com certeza, aprendemos com o mestre maior, Cláudio Abramo, que um dia definiu: "Jornalismo é a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter". É um lema da vida. Excelente para repórteres e até senadores.
* Jornalista gaúcho, editor da revista ISTOÉ na sucursal Brasília. Ele enviou ao espaço Carta Aberta da revista Carta Capital sua resposta ao editorial da publicação, publicado há duas semanas, em que se lamentava a quebra do off no caso dos grampos na Bahia.

Comentários