O primeiro verso do haicai

Por Luiz Henrique Rosa Estou convencido que grande parte da criatividade publicitária, e porque não empresarial, reside nesta simples qualidade: olhar e ver. Este …

Por Luiz Henrique Rosa
Estou convencido que grande parte da criatividade publicitária, e porque não empresarial, reside nesta simples qualidade: olhar e ver. Este é o segredo. Não conheço um único publicitário criativo que não fosse um pouco enviesado no olhar, que não tivesse uma visão meio atravessada da vida. Em resumo: um crítico diferenciado por um olhar canhoto.
Não tem nada com "ser do contra", elogiar o que todos detestam ou o contrário. Ver significa achar o ângulo novo, novas qualidades entre as usuais, observar as pessoas como elas agem. Não é a busca do comportamento exótico, mas saber como as pessoas são de verdade. Olhar o mundo como ele é, e continuar gostando dele. Como dizia Oswald de Andrade: "Ver com olhos livres".
O mundo é assim mesmo: tem empresários cultos e viajados que não sabem o que é um origami e japoneses da gema que não sabem o que significa um copyright. Nenhum dos dois é menor por isso. Apenas são o que são. Não é na aceitação do mundo que reside o novo olhar, é no olhar em si.
Por falar nos japoneses, os haicaístas ensinam que para compor um bom haicai (tradicional poema japonês de apenas três versos) o primeiro passo é observar a natureza, com atenção e apuro, identificar um momento, fotografá-lo com as palavras, e interpretar criativamente qualquer "movimento" significativo. Compor um haicai é considerado uma arte, a arguta arte da observação. O primeiro verso traz um momento da natureza como ela é (Velha Lagoa); o segundo, um movimento (O sapo salta); e o terceiro é o verso da, digamos assim, "iluminação" (O som da água).
A impermanência da vida é o que deve subsistir, pingar ao espremer o haicai. Esta talvez seja uma forma de criação literária na qual a experiência pessoal torna-se uma condição indispensável para que ele aconteça.
A exemplo dos haicaístas tradicionais um publicitário criativo pode-se permitir não julgar? É inevitável este eterno shiva publicitário que numa mão constrói e na outra destrói? Não sei ao certo. Mas pode-se, sim, aprender a reconhecer o processo volátil da vida, entender o inacabado, alimentar-se da natureza e do que ocorre a sua volta. Abusar da sensibilidade. Dialogar com a vida.
Estranhamente, é neste sensibilizar-se que aflora a criatividade mais entusiasmante e acachapante. É nesta hora, da mente vazia, que surge o primeiro verso do poema. É neste momento que surgem novas idéias, novos produtos, novas campanhas publicitárias. E a gente se pergunta: "Como é que eu não tive uma idéia dessas?"
* Sócio-diretor da Upper Comunicação Global

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