Eu tenho uma proposta

Por Daniele Lazzarotto, para Coletiva.net

Se você trabalha com Marketing, provavelmente já escutou que as marcas precisam ter uma Proposta de Valor clara, bem definida e que esteja presente em toda sua comunicação. Da mesma forma, é muito provável que você não tenha certeza onde foi que escutou isto pela primeira vez. Afinal, este é um termo tão recorrente na vida de quem trabalha com propaganda que você pode ter ouvido sobre isto em qualquer lugar. A Proposta de Valor tornou-se tão presente e tão essencial na vida das empresas que, raramente, nos questionamos sobre este conceito. De onde mesmo ele surgiu? Qual o contexto por trás dele? Por que ele é tão relevante para as marcas?  

Assim como muitos dos termos que usamos na propaganda hoje em dia, a Proposta de Valor teve início na glamorosa Nova Iorque dos anos 60. Seu autor foi ninguém menos do que Rosser Reeves - o homem que inspirou a criação do personagem Don Draper na série Mad Man e que, na vida real, foi chairman da Ted Bates Agency. Além de criativo, Reeves foi um teórico e em seu livro 'Reality in Advertising', de 1961, no qual defendeu a ideia de que as marcas precisavam simplificar suas mensagens, comunicando um único e imbatível diferencial. Como bom publicitário que era, ele embalou sua teoria com um nome simples, memorável e vendedor: 'Unique Selling Proposition'. Em português, o termo ficou mais conhecido como Proposta Única de Valor. 

Como é possível de se imaginar, seu livro e sua teoria tiveram enorme sucesso. Afinal, a Proposta Única de Valor era perfeita para a propaganda dos anos 60. Qualquer um que tenha acompanhado um episódio de Mad Man é capaz de imaginar este cenário. O clima era de pujança e otimismo. Os comerciais de televisão eram a nova e lucrativa menina dos olhos do mercado publicitário e cada intervalo comercial passou a ser cobrado a preço e ouro. Neste cenário, comprimir ao máximo a mensagem da marca tornou-se a fórmula ideal para otimizar um comercial de TV. Outra vantagem a favor da popularidade da Proposta Única de Valor naquela época foi o fato de haver poucas marcas disputando o mesmo segmento. Ou seja: ainda era possível abraçar um argumento que fosse realmente único e diferenciador. 

Desde que Reeves publicou seu livro, há quase 60 anos, muitas marcas se beneficiaram de uma comunicação baseada em propostas de valor. E muitas outras ainda estão discutindo, buscando ou formulando suas propostas. Mas, apesar de sua importância ser inegável, a grande questão que estamos deixando de nos perguntar é: será que a Proposta Única de Valor, que era perfeita para a década de 60, continua sendo relevante para o contexto atual? 

É evidente que de lá para cá muita coisa mudou. Sem dúvida, o trabalho do Marketing está mais complexo. Não apenas porque hoje o Marketing tem muito mais trabalho do que tinha antes (afinal, são novos canais e pontos de contato para gerenciar), mas, principalmente, porque o trabalho original de 'conquistar o consumidor' e garantir vendas ficou mais difícil. Os consumidores de hoje têm muita opção! Opções de marcas, de produtos, de serviços, de canais de venda, de informação, de entretenimento, de carreira, de estilo de vida e até de visão política. 

À primeira vista, este cenário hiper competitivo torna a Proposta de Valor ainda mais relevante hoje do que era nos anos 60. Afinal, ter diferenciação e valor percebido é tudo o que as marcas mais precisam para se destacar na multidão. Porém, o termo 'Proposta de Valor' traz implícito um conceito de propaganda que funcionava nos anos 60 e que não funciona mais hoje em dia. O grande problema está escondido atrás da palavra 'proposta', pois remete à ideia de que a propaganda se resume a promessas. E, neste mundo de tantas opções, é natural que nosso consumidor esteja bem menos tolerante a propostas que não se transformam em realidade.  

O termo mais apropriado para o nosso contexto deveria ser 'Entrega de Valor Única'. Sim, é uma pequena mudança. Mas acredito ser um ajuste necessário para nos deixar conscientes de que a propaganda precisa tirar o valor da teoria e colocá-lo na prática. Este é o verdadeiro desafio no Marketing. 

Sabemos que uma marca possui uma Entrega de Valor Única quando tem um propósito e age de acordo com ele. Como a American Express e seu movimento Shop Small, que incentiva os consumidores a comprarem em pequenos negócios e oferece aos pequenos empresários diversas formas de apoio administrativo. 

Uma marca possui uma Entrega de Valor Única quando oferece um conteúdo que o consumidor jamais poderia ter acesso se não fosse proporcionado por aquela empresa. Como a SpaceX que, no início de fevereiro, lançou um foguete para Marte e, nele, colocou um carro Tesla guiado por um manequim vestido de astronauta, enviando para terra imagens tão inéditas quanto surreais. 

Ter uma Entrega de Valor Única também é inovar em serviços, como a Amazon e sua chave inteligente que permite que os entregadores deixem os produtos dentro da casa dos consumidores com toda a segurança, mesmo quando a casa estiver vazia.  

Para fazer sentido neste contexto precisamos abrir espaço para a reciprocidade entre marcas e pessoas. Se a empresa quer receber algo valioso das pessoas (seu tempo, sua atenção ou seu dinheiro), precisa oferecer algo valioso a eles também. E para isto acontecer, o 'Marketing' precisa deixar de ser um departamento e passar a ser uma mentalidade: todos na empresa precisam estar conscientes de que é seu papel entregar valor real aos consumidores. 

Se Rosser Reeves e Don Drapper estivessem atualmente trabalhando em uma agência de Propaganda, talvez eles sentissem saudades do glamour, do uísque, do cigarro e até das grandes verbas publicitárias. Mas, sem dúvida, o que mais faria falta a eles é aquele consumidor dos anos 60 que se contentava com promessas.

Daniele Lazzarotto é gerente de Estratégia na agência Morya, de Porto Alegre.            

Comentários