Os canalhas do governo

Por Diego Casagrande No final dos anos 60, Richard Nixon havia se tornado presidente dos Estados Unidos. Por ironia, foi justamente naquela época marcada …

Por Diego Casagrande
No final dos anos 60, Richard Nixon havia se tornado presidente dos Estados Unidos. Por ironia, foi justamente naquela época marcada por

liberalidades e protestos exaltados no mundo todo, que uma enorme contradição se deu na terra americana. Foi um período onde jornalistas e jornais eram levados aos tribunais em processos movidos pelo governo. Tempo em que profissionais de imprensa eram impedidos de entrar em coberturas oficiais da Casa Branca. Época em que concessões de rádio e tevê eram usadas como força de pressão para obter a docilidade dos empresários donos dos veículos de comunicação.
Enfim, uma época terrível. Embora em plena democracia, o país considerado berço do Estado contemporâneo livre, viveu um momento único de perseguição e constrangimento da imprensa. Um momento que Katharine Graham, dona do jornal The Washington Post, jamais esqueceria.
Alguns anos antes do escândalo Watergate os jornais americanos estavam sob permanente vigilância dos donos do poder. O presidente se

considerava implacável. Os que a ele não aderiam, tornavam-se inimigos e deveriam ser esmagados. Foi quando surgiram os "documentos do Pentágono", uma caixa com 4400 páginas de informações sigilosas do governo, que explicavam os motivos da entrada dos EUA na Guerra do Vietnã. As informações ali contidas eram bombásticas e de enorme interesse da opinião pública. O primeiro jornal a publicar foi o The New York Times, que pretendia fazer uma série por vários dias. Não

conseguiu. Nixon ingressou com uma ação na Justiça e um magistrado chamado Murray Gurfein, de primeira instância, determinou a suspensão das reportagens. Foi a primeira ordem de censura prévia à imprensa americana.
No vácuo da censura, o The Washington Post, já comandado pelo jornalista Ben Bradlee, conseguiu obter os documentos. Na hora de publicá-los, a direção capitulou. Os advogados do jornal temiam

uma avalanche de processos, como era praxe de parte do governo Nixon, justamente no momento em que a empresa abria seu capital. Uma ação judicial naquele momento poderia quebrar o jornal. Quando a reportagem ficou pronta, coube a Katharine Graham determinar ou não a publicação. Chamada às pressas ao telefone enquanto estava numa festa, a empresária ficou em dúvida, mas o instinto da jornalista formada na Universidade de Chicago, falou mais alto. Naquele momento, Katharine lembrou do que havia lhe dito Phil Geyelin, um dos mais experientes editorialistas do Post, quando ela comentou que publicar poderia destruir o jornal. "Sim", ele concordou, "mas há mais de uma maneira de destruir um jornal".
Após a publicação, Nixon e seus Secretários processaram o The Washington Post e seus jornalistas. O caso foi parar na Suprema Corte, que acabou decidindo, por 6 votos a 3, pela divulgação do material. Uma vitória que consolidou a democracia e a liberdade nos Estados Unidos. Tempos depois Henry Kissinger, então Secretário de Estado de Nixon, declarou: "Ele (Nixon) queria enfrentar a imprensa. Realmente odiava a imprensa. Assim que saía algum artigo desfavorável a ele, distribuía notas [?] proibindo a conversa com o Post, ou com este ou aquele repórter. Ele era adversário da imprensa. Foi um grande erro". E em seu livro de memórias, Katherine Graham conclui: "O caso dos Documentos do Pentágono transformou a divergência corriqueira entre o governo e a imprensa.
Governantes e repórteres talvez sejam adversários naturais, como eu disse na época, mas a administração Nixon entrou no ringue com um

entusiasmo particularmente deliberado. Passamos a preocupar-nos cada vez mais com liberdade de imprensa e com a atitude arrogante do governo Nixon de que a autoridade para determinar o que o povo americano deve saber compete exclusivamente ao governo".
Na verdade, quando pessoas ou partidos com espírito totalitário ascendem ao poder, tendem a usar da força institucional que detém para tentar amordaçar as opiniões em contrário. Consideram que o poder não permite críticas. Não acham que ganharam uma eleição, e sim que podem rasgar a Constituição. Consideram que estão acima da lei. Estamos cheios de exemplos perto de nós.
Nunca um governo teve tantos canalhas. E nunca tantos canalhas tentaram calar a imprensa. Essa foi a conclusão de milhões de norte-americanos. Anos depois, os jornais, em especial o The Washington Post, denunciaram à opinião pública as entranhas do Escândalo Watergate. Envolvido até o pescoço, o presidente Nixon renunciou. O homem que tentou calar a imprensa, foi calado por seus próprios atos. Em países democráticos, as instituições costumam vencer os canalhas.
* Jornalista. O artigo foi publicado originalmente no site www.opiniaolivre.com.br

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