Para de fumar, meu filho

Por Paulo Tiaraju, para Coletiva.net

A médica gritou para que deitassem minha mãe no chão e, para o meu horror, começaram a fazer massagem cardíaca. Não quis continuar vendo. E quando voltei, disserem simplesmente que ela havia parado. Não disseram: ela morreu, ela faleceu. Usaram uma figura de retórica médica: sua mãe parou. Havia quase meio ano que não fumava. Sai dali, atravessei a rua e comprei uma carteira de cigarros. Os meus irmãos e irmãs, avisados, se puseram a caminho. Eu sabia que minha velhinha, internada naquela clínica, podia morrer, mas jamais imaginei testemunhar a brutalidade daquela cena. Depois, sentei num banco de jardim nos fundos no pátio da clínica, e ali comecei a chorar e a fumar.

Havia quase seis meses eu não fumava, a morte repentina da minha mãe me fez voltar, coberto de "direitos". Logo crie justificativas filosóficas para continuar fumando: somos um grão de areia, uma casquinha de noz nas águas injustas e revoltas da vida, a chama se apaga a qualquer momento, o que adianta não comer ovos estrelados, derretendo em cima do pão fresquinho. De que adianta a ingesta do abominável repolho cru, que é bom para os intestinos, de que adiante não fumar? - me perguntava inflado de razões tabagistas. - Dane-se, fuck you os médicos, a medicina - e dava tragadas revoltadas olhando para a brasa do cigarro enquanto as lágrimas escorriam.

Passado o primeiro impacto da perda, segui fumando, mas mantinha um certo controle para não explodir a quantidade de cigarros, como antes. Num belo dia lembrei um fato aparentemente isolado. Lembrei que no período que fiquei sem fumar, fui tomado de uma alegria aparentemente injustificada. Vivia mais alegre pelo simples fato de ter vencido uma batalha onde a maioria fracassa. Algo difícil de entender para que nunca fumou. Ser mais feliz por não fumar, isso sim que é um raro prazer, de impossível tradução.

O que quer que eu diga? Parar e não voltar a fumar é como voltar da guerra vivo e vitorioso. É como acordar os sentidos que estavam hibernando e sentir um novo suprimento de energia vital invadir cada canto, canto redondo, digamos, do corpo e do cérebro, como se o ato de respirar desse barato.

Uns três meses depois, voltei na clínica onde minha mãe havia morrido, não sei por que, (e estou farto de saber). Fui lá para me desassombrar, para racionalizar o cenário, falar com as pessoas de novo, gastar, gastar tudo aquilo por que passei. Após algumas conversas constrangidas comecei a me dar conta que ninguém da clínica queria falar comigo sobre o assunto, para eles, profissionais, era página virada. Mas quando sai, uma enfermeira me acompanhou até o portão de entrada, e me contou com naturalidade um fato que me deixou estarrecido. Me disse que no dia em que morreu, minha mãe  teria dito a ela: "... se me acontecer alguma coisa, diz para o meu filho Paulo não voltar mais a fumar, ele fica tão feliz quando não está fumando...".

Isto já faz três meses, e há três meses que não voltei a fumar nem mais um cigarro. Não por achar que recebi uma mensagem amorosa do além. Mas porque a minha mãe também havia notado que eu andava estremecido por uma nova alegria depois que havia parado de fumar.

Se quiser fumar, fume, esta é uma decisão profundamente solitária e íntima. Melancolia, solidão, estresse, medo e raiva combinam com cigarro. Difícil, quase impossível, é fazer com que o fumante entenda que o cigarro é um ente "mágico", e é, e que, em vez de permitir que você lute contra os problemas existenciais, ou mesmo do dia a dia, o maldito cigarro "costura" essas sensações na sua alma, de modo a lhe proporcionar prazer na melancolia, bem estar na solidão, adrenalina no estresse, e uma coragem diante do medo que só dura o tempo que o cigarro queima. Em seguida tem que ascender outro.

Paulo Tiaraju é publicitário.

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