Poder de sedução da TV supera seus males

Por Leila Reis "Ratinho, Datena, Gugu e Hebe estão na lista dos convidados para conversar com Lula." Tornou-se lugar-comum criticar a qualidade da programação …

Por Leila Reis
"Ratinho, Datena, Gugu e Hebe estão na lista dos convidados para conversar com Lula."
Tornou-se lugar-comum criticar a qualidade da programação da TV. Essa tecla vem sendo batida há tantos anos e a total falta de sinais de mudança pode fazer com que, algum dia, televisão seja sinônimo de baixaria.
No mar da programação emergem ciclicamente ondas que chamam a atenção da sociedade e das autoridades para o veículo. Quando algum programa passa demais dos limites, a TV entra na berlinda. Passada a tormenta, a vida volta ao normal até que outro descalabro repercuta, mobilizando juízes, entidades e a imprensa.
Mesmo sendo concessão pública, a TV nunca é alvo de medidas contundentes por parte do poder constituído. Até hoje não se cogitou a criação de uma agência reguladora do setor nos moldes das que fiscalizam os outros tipos de concessão, como petróleo, eletricidade, telefonia, água, etc.
Na Câmara Federal surgiu recentemente um movimento pela Ética na TV cujo slogan é Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, que lista pela internet os programas mais apontados pelos telespectadores. Incipiente no início (do primeiro ranking menos de mil brasileiros se manifestaram), esse movimento começa a pegar. Tanto que na semana que vem, Salvador será sede de um ato promovido pela CNBB e outras entidades cristãs pela valorização dos direitos humanos na TV. No entanto, até hoje, o poder Executivo não se manifestou sobre o que pensa da TV nem explicitou seu projeto a propósito da programação servida diariamente aos brasileiros de 41.391.404 domicílios - dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), de 2001, do IBGE.
O que se sabe (e bem por cima) é que o presidente Lula agendou um encontro com os comunicadores dos programas de maior audiência da TV. Na lista estão Ratinho, Hebe, Faustão, Milton Neves, José Luiz Datena e Gugu Liberato, que ouviriam do presidente um apelo para tratarem "jornalisticamente" em seus shows as reformas que o governo peleja para aprovar no Congresso.
Ou seja, a atitude do novo governo é a mesma de outros anteriores. Não se mexe na TV porque seu poder é mais forte do que a necessidade de mudança. O governo não discute a qualidade da programação porque quer a audiência abrangente do veículo que chega à casa de 89% dos brasileiros.
Da mesma maneira que José Serra, quando ministro da Saúde, o ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, buscou e conseguiu dez minutos no Domingo Legal de Gugu (um dos mais cotados no ranking da baixaria) para esclarecer os detalhes da reforma em tramitação. Ou seja, o plano de Lula já está dando certo antes mesmo de ele formalizar o pedido.
Esse é o grande nó na discussão sobre a qualidade da TV brasileira. O poder de sedução do veículo é maior do que seu mau comportamento. E, na verdade, não é de bom tom - nem para os petistas - falar mal ou repreender o anfitrião que nos recebe tão bem em sua casa. Mas uma hora o governo vai ter que tocar no assunto da qualidade da programação, por mais espinhoso e inconveniente que possa ser para sua estratégia de comunicação.
* Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 13/07/03.

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