Primeiro de abril

Por Mario de Almeida Não eram 8 horas da manhã de 1º de abril de 1964, quando o então deputado federal Leonel Brizola chegava …

Por Mario de Almeida
Não eram 8 horas da manhã de 1º de abril de 1964, quando o então deputado federal Leonel Brizola chegava à Rádio Farroupilha, líder absoluta de audiência no Rio Grande e colocava no ar, como já o fizera em 61, a Cadeia da Legalidade. O Hino da Legalidade, de Lara de Lemos e Paulo César Peréio, composto no Teatro de Equipe, a pedido do então Governador Brizola, abriu a transmissão, numa tentativa de se abortar o golpe em marcha.
O radialista de plantão era Paulo Martins que, no site ternuma.com.Br, assina um artigo onde execra com fúria as guerrilhas, guerrilheiros e os movimentos de esquerda durante a Ditadura Militar, prestou um valioso testemunho sobre os acontecimentos daquela manhã, onde Brizola lhe diz:
- Muito bem? Você agora é o locutor oficial do Dr. João Goulart, o Presidente da República. E vamos pro ar para reeditar a "Cadeia da Legalidade" e acabar com essa farsa do Meneghetti. (Meneghetti era, então, o governador do Estado, que havia requisitado todas as emissoras de rádio naquele dia.)
Paulo Martins conta:
- Fomos para o estúdio, mandei o Artur Godoy, operador de som do horário, rodar o Hino da Legalidade (tão explorado na primeira cadeia da Legalidade em 1961); mandei o Henrique Xavier, apresentador do Alô Rio Grande, interromper os avisos, sentei à frente de um dos microfones e Leonel Brizola sentou à frente do outro. Ele falava de improviso e a mim cabia ler os manifestos que vinham do "Gabinete de Imprensa", orientado por Éldio Macedo (hoje na imprensa carioca), instalado, àquelas alturas, precariamente, na sala do departamento de esportes. E ali ficamos, eu de um lado e o Brizola de outro, até por volta do meio dia quando então o chamado Q.G. foi transferido para a Prefeitura, cujo prefeito era o Sereno Chaise.
No início da madrugada daquela noite de uma chuva fina, já 2 de abril, Jango chegou a Porto Alegre para reunir-se com o general Ladário Telles, recém-nomeado comandante do 3º Exército, com generais comandantes de algumas regiões, Brizola e o prefeito Sereno Chaise. Enquanto Brizola tentava convencer Jango a partir para o confronto das armas, Jango recebeu a notícia que o presidente do Senado, Auro Moura Andrade, desconhecendo o comunicado de Darcy Ribeiro de que o presidente João Goulart estava em território brasileiro, declarou a vacância da presidência. E, daí, pela Constituição, deu posse a Ranieri Mazzili como o novo presidente do Brasil. Nesse exato momento, a história, conforme contada de um modo menos específico, omite o segundo golpe. A versão popular do golpe refere-se, apenas, aos episódios das encampações, ao desrespeito à hierarquia militar e ao temor de uma república sindicalista. Se tudo isso terminara com o afastamento de Jango e a posse de Mazzili, que mais queria a caserna? O poder, é claro.
O segundo golpe foi dado através do Ato Institucional (sic) n° 1 e, em 15 de abril de 1964, o marechal Humberto Castello Branco era empossado como o primeiro ditador do período, com o apelido institucional de Presidente da República. Historiadores benévolos não o registraram como o maior Pinóquio da História, face à repugnante falácia do seu discurso de posse, onde afirmou que manteria todas as liberdades democráticas, enquanto prisões e embaixadas se abarrotavam de adversários políticos. Todas as liberdades prometidas e não cumpridas foram minguando, minguando e, em 1968, com o Ato Institucional 5, deixaram de existir de forma total.
A resposta à ditadura gerou guerrilheiros, seqüestradores e assassinatos na ação e na repressão, e permitiu que figuras como o delegado Sérgio Fleury se transformassem em capatazes da tortura e do homicídio. O golpe e a ditadura forjaram, inclusive, uma grande ironia.
Os maiores líderes civis que foram verdadeiros camelôs do golpe - Adhemar de Barros (SP), Carlos Lacerda (Rio) e Magalhães Pinto (MG) - tinham a mesma pretensão: a Presidência da República. E Juscelino, que apoiou o golpe de forma discreta, estava trabalhando na campanha de reeleição: JK 65. Pois é, "perderam" para Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Adhemar esteve fugitivo no Paraguai, subversivos confiscaram parte da grana dele na casa da amante do Rio, Juscelino e Lacerda foram cassados e Magalhães Pinto ganhou um prêmio-consolação, o Ministério das Relações Exteriores.
* Mario de Almeida é jornalista, publicitário, autor de peça "O Despacho". Publicou "Antonio?s, caleidoscópio de um bar" (Editora Record) e "História do Comércio do Brasil - Iluminando a Memória" (Confederação Nacional do Comércio).

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