Qual pauta?

Por Marcelo Pires

A gente trabalha a partir de uma pauta. Tem que conviver com prazos - e prazos quase sempre acanhados. Como comunicação é trabalho coletivo, onde, inclusive, convivem várias especializações, é essencial ter agenda, processo, roteiro. Mas se alguém quer ter alguma relevância nesta atividade, não pode trabalhar cumprindo apenas a pauta. A quarta-feira pode ficar satisfeita da vida quando você entrega em dia o anúncio pautado para quarta-feira. Mas será que o anúncio em questão também está orgulhoso de você?

Ninguém elogia um time de futebol por ele respeitar os 90 minutos do jogo. É óbvio que os dois tempos de 45, mais os possíveis acréscimos, serão cumpridos (e, muitas vezes, compridos, com o futebolzinho de muitos dos nossos times). O fato é que a torcida elogia o time pelo o que ele faz nos tais 90 minutos. Existe até uma expressão que a gente usa quando um jogador está sem motivação: ele está apenas cumprindo tabela.

Vejo muito criativo apenas cumprindo a pauta.

Quando sugiro que criativos não sejam filhos da pauta, estou sugerindo que eles não façam apenas o que é pedido. A questão não é fazer menos: é fazer mais. Um criativo precisa saber que cada peça dialoga com o branding geral da marca. Mas também dialoga com o momento que estamos vivendo.

Encarar a peça de forma isolada, fones de ouvido na cabeça, olhos vidrados na tela do computador, tira a sagacidade de qualquer mensagem. Fica um papo opaco, como eu e minha amiga Monica gostamos de dizer. Quando a gente mistura o diferencial do cliente com algo maior, verdadeiro, algo que surpreenda por ser atual ou algo que emocione por ser eterno, cria-se interesse imediato.

Uma peça tem que estar alinhada com o posicionamento da marca - mas também tem que estar alinhada com a vida, com a curiosidade do consumidor. Hoje, sempre que insisto que um criativo faça algo diferente, geralmente sou mal interpretado: a pessoa pensa que estou propondo algo a respeito do canal de comunicação ou de possíveis traquinagens tecnológicas.

Não é bem isso (ou: não é só isso). Não importa em que suporte, fazer uma campanha de Natal com o Papai Noel dizendo "Boas Festas, Boas Ofertas" é mais do mesmo (as ideias, infelizmente, andam neste nível de imediatismo).

Tornar uma ideia maior (ou melhor) a maioria das vezes é investir na simplicidade: os briefings andam complicados, escritos em muitos níveis de gerência no cliente e tocados por muitos níveis da operação das agências. Assim, seguindo o exemplo da campanha de Natal, vale lembrar que quase todo criativo tem uma larga vivência em festas de Natal (puxa, ela se repete todo ano há vários anos). E é desta vivência que pode sair algo tocante.

Pense cinco minutos nos Natais da sua família - no jeito que vocês comemoraram (ou não comemoraram, o que também dá bom caldo). Aposto que surge uma história que vale a pena. Eu, por exemplo, adoro uma história do meu ex-sogro: no amigo secreto da família, ele sempre esquece quem tirou. E isso dá as maiores confusões na hora da entrega dos presentes. É presente pra filha errada (ele tem três), é irmão sem presente, é cunhado ganhando a lingerie que ele tinha comprado para a sombrinha... Até que em um Natal, ele foi à loja que tinha boas ofertas e comprou presentes para todos da família, todinhos, evitando erros.

Meu ex-sogro, bom sujeito, era bem capaz de fazer algo assim. Mas, veja só, fui eu que inventei este final. Sim: criei em cima. E garanto para vocês: se esta história fosse usada em uma campanha, tenho certeza que chamaria a atenção. E ainda respeitaria o briefing Boas Festas, Boas Ofertas.

A princípio, ninguém gosta de comercial. Então temos que emprestar algo a eles, sair da pauta (dos prazos, dos reclames) os elevando a outra pauta (dos assuntos e momentos legais). Quando isso acontece, daí sim é capaz de muita gente gostar do comercial, inclusive comentando e compartilhando o dito cujo (sonho de todos hoje em dia).

Pra encerrar, comento algo que ouço muito: "Marcelo, nas redes sociais queremos uma mensagem muito breve, muito direta, porque é isso que funciona!"

Sabe o que eu penso nesta hora? Se é pra dizer as coisas óbvias que muitas vezes dizemos em nome da brevidade, ainda bem que elas não sejam longas mesmo.

É isso, amigos. Extrapole a pauta e, mais importante ainda, tenha um Feliz Natal. Se eu for amigo secreto do meu ex-sogro e ele comprar presentes pra todos justo neste ano, vou argumentar que, puxa, eu tinha direito a duas lembrancinhas.

Marcelo Pires é diretor de Criação da Competence - G5.               

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