Uma vitória da genética

Por André Machado, para Coletiva.net

Toda vez que sento para escrever, penso em falar. É no microfone que se desenvolve - quase desde o princípio - a profissão que me elegeu. Eu havia escolhido ser biólogo e até cursei três semestres na Ufrgs. Mas não teve jeito. Como uma vez me disse o Armindo Antônio Ranzolin, "é o teu DNA". Deve ser genético. O gene me chamou. O jornalismo está no meu sangue. E cá estou, há 24 anos, exibindo um orgulhoso registro profissional.

Vejo nossa profissão como um facilitador para que as pessoas possam compreender o tempo em que vivemos. Não somos historiadores, somos anotadores do momento. Há alguns tempos parecia que o Jornalismo iria morrer. A onda recente de Fake News mostrou o quanto o nosso papel é importante nesta quadra da história. É justamente a mediação jornalística que garante a credibilidade às histórias. E o público vem percebendo isto cada vez mais.

Mas nossa profissão é difícil. Como muitas, um funil. Raramente somos bem remunerados e muitos de nós ficam pelo caminho. Vão buscar outra atividade, abrem um comércio ou, simplesmente, abandonam o caminho ao qual se dedicaram ao menos quatro anos de formação. Sinto-me privilegiado de estar onde estou. Sou muito grato à Band e à RBS pelos espaços que sempre tive para realizar o meu trabalho em rádio e TV.

Por um momento nesta trajetória deixei de ser jornalista (de fato). Virei candidato a uma cadeira na Câmara dos Deputados. E aí vem mais uma dificuldade da nossa profissão. Como voltar a exercer o Jornalismo com liberdade e independência depois de manifestar-se, publicamente, por um lado na política? Percebi que este desafio estava vencido quando retornei ao mercado depois do insucesso. Mas nem sempre é assim.

Não sei como seria a minha vida parlamentar, mas gosto demais da liberdade que tenho no Jornalismo para analisar a vida que nos cerca. Certamente, já teria que ter respondido a algum comitê partidário, pois a realidade é que toda a verdade ou o bem não estão concentrados apenas de um lado, assim como toda a mentira e todo o mal não estão apenas do outro. Os partidos não pensam assim. O Jornalismo me ajuda a combater esta visão maniqueísta que tanto se fortalece à esquerda e à direita.

Agradeço ao Jornalismo por me fazer plural. Por conseguir olhar para todos os lados. Pelo meu poder de empatia. Por tentar entender a posição do cidadão que não tem o serviço e do governante que não tem recurso para executar uma política (e a candidatura me ajudou muito nisto). O Jornalismo me ensinou a ouvir, muito mais do que falar.

Faço perguntas. Não com a intenção de constranger ninguém, mas de informar. O rádio me fez respeitar a inteligência de quem me ouve. Não preciso dizer como ele deve pensar ou se posicionar. Meu papel é dar elementos para que o próprio cidadão chegue às suas conclusões. Faço isto com algum custo. Há quem prefira bravatas. Deixo isto para os políticos. O Jornalismo deve ser crítico, mas nunca mal educado.

No dia 3 de janeiro de 2005, aos 38 anos de idade e com oito anos de profissão sei que fiz algo importante para o orgulho de todos nós jornalistas. Eram oito horas da manhã quando inaugurei, na rádio Gaúcha, o novo formato do Correspondente Ipiranga. "Eu sou o jornalista André Machado", avisava logo na abertura. Tenho convicção de que a credibilidade de ter assinatura de um jornalista fez um modelo vencedor e que segue no ar até hoje.

Em uma visita a uma faculdade de Jornalismo, um estudante me perguntou que conselho um jornalista com a minha trajetória dava a um estudante de primeiro semestre. Fui cruel. "Faça Engenharia", respondi. Estava desiludido. Mas falei que se a decisão dele fosse mesmo seguir por aqui, só a paixão o levaria a algum lugar. É por isto que estou aqui. Paixão. Daqui não saio.

André Machado é jornalista e apresentador do Grupo Bandeirantes.

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