Vai tranqüilo, Roberto Marinho

Por Milton Coelho da Graça Redação de O GLOBO, 7 e meia da noite, 2 de maio de 1981. O jovem repórter Marcelo Beraba …

Por Milton Coelho da Graça
Redação de O GLOBO, 7 e meia da noite, 2 de maio de 1981. O jovem repórter Marcelo Beraba entra e vem direto à minha mesa de editor-chefe.
- Tenho uma bomba. Estou com o filme da cirurgia do major Wilson lá no Hospital Miguel Couto. Um médico fez as fotos dentro da sala e me entregou.
Para os mais novos e desmemoriados: o major Wilson foi o fracassado executor da ação terrorista do serviço secreto do Exército, de jogar uma bomba no Riocentro, durante festa comemorativa do Primeiro de Maio. O objetivo dessa idéia de jerico - soube-se depois - era deter o processo de abertura democrática, responsabilizando os comunistas pelo atentado. Wilson foi para o Riocentro em um carro Puma, levando como cúmplice um sargento. Mas algum santo de esquerda estava de plantão naquela noite e, antes que fosse atirada contra a juventude que se divertia, uma das duas bombas que a dupla levava explodiu dentro do carro, matando o sargento e deixando o major com sérios ferimentos no baixo ventre.
Fazia parte de meu dever consultar Roberto Marinho ou o diretor de redação, Evandro Carlos de Andrade, sobre o jeito de publicar matérias políticas importantes. E Evandro viajara ao exterior. Decidi preparar tudo para lançar as fotos no alto da primeira, enquanto ia pensando em como conversar com o patrão.
A situação se complicou quando o coronel Job Lorena, responsável pela comunicação do I Exército e pelo inquérito militar instaurado sobre a explosão, foi conduzido por um contínuo até o Eli Moreira, chefe da reportagem. Imaginei logo que boa coisa não era e, pelo telefone, pedi ao Eli que fosse engabelando o coronel ao máximo. Mas, pouco depois das 9, o coronel veio, sorridente, até mim, apresentou-se e disse: "Eu estava conversando com o Eli, porque pensava que ele era o comandante, mas agora descobri que é você." E rapidamente me disse que sabia da existência das fotos e exigia que nós não as publicássemos sob pena de graves conseqüências para o jornal e a equipe do Miguel Couto.
Com a recomendável suavidade e o melhor dos sorrisos, expliquei que infelizmente eu não era comandante, era apenas também um coronel, que obedecia ordens de dois generais: Roberto Marinho e Evandro, diretor. Infelizmente, Evandro estava viajando e dr. Roberto também já tinha ido embora. Ele me pediu o telefone do dr. Roberto e eu saí do aquário para ir buscá-lo.
Liguei para Roberto Marinho e falei rapidamente sobre o material que tínhamos e a edição planejada, supersensacional, com fotos exclusivas etc. e tal. Expliquei que o coronel estava na redação e sugeri um planinho para mostrar a máxima boa vontade do jornal. Eu daria aquele número de telefone ao coronel mas, a partir daquele instante, o dr. Roberto não mais atenderia. A sugestão foi aceita sem vacilação e Job Lorena ainda ficou um bom tempo grudado a um telefone até desistir.
Pouco depois das 7 da manhã do dia seguinte, uma viatura militar foi buscar Roberto Marinho em sua casa no Cosme Velho para um encontro nada amistoso com o general Gentil, comandante do I Exército, que durou até meio dia. À tarde, fui chamado à sala do dr. Roberto, assim que ele chegou ao jornal e ele estava claramente de mau humor. Não disse uma palavra sobre as fotos. Só perguntou por que eu não tinha também revelado a manchete em que o jornal fazia a revelação, enviada por Merval Pereira, da sucursal de Brasília, de que havia sido encontrada outra bomba no carro. Esse é que tinha sido o tema dominante da "conversinha" no Palácio do Exército, porque desmontava completamente a farsa que Job Lorena e o serviço secreto do Exército queriam montar no inquérito sobre o atentado.
Expliquei, com a melhor cara-de-pau possível, que nem havia julgado importante consultá-lo, porque a informação tinha sido dada ao Merval por duas pessoas da confiança dele, dr. Roberto: o diretor da Polícia Federal e Tancredo Neves. Imediatamente, ele encerrou a conversa em tom de ironia e matreirice: "Então valeu a pena o que passei hoje de manhã?"
Valeu, Roberto Marinho, para o país e, especialmente, para todos que produziram ou leram aquela edição de 3 de maio de 1981, em que O GLOBO, sob o seu comando, ajudou a restaurar a democracia.
Dizem que, lá em cima, as boas ações valem muito mais do que os pecados.
* Jornalista. Artigo originalmente publicado no site www.comunique-se.com.br

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