Vendi a empresa, que merda!

Por Jonatas Abbott, para Coletiva.net

Vi a cena se repetir dezenas de vezes. As pessoas parabenizando um empreendedor do mercado digital brasileiro por ter vendido sua empresa. Se tiver vendido para uma empresa gringa ou europeia, os parabéns vêm com aplausos.

Vou confessar. Não só vi, como desejei muito vender a minha empresa um dia. Sim, a Dinamize. Ok, ok, vamos além na sinceridade. Quase a vendemos, eu e o Allan. Chegamos a assinar um M.O.U. (Memorandum Of  Understanding), termo gringo e chique para um termo de entendimento, um pré-contrato da venda da empresa. Isso foi o quê? Há uns cinco anos? Avaliada em 44 milhões, sendo 30 "em cash" e 14 em ações. O porque a venda não saiu é outra história, mas acho que tivemos sorte...

No fundo, temos um gigante complexo de vira-latas, enraizado na nossa consciência de empreendedor tupiniquim. Temos certeza de que o ápice da carreira é vender a empresa. É o carimbo do sucesso quando um destes grandes grupos nos compram. Pior, não acreditamos ou que dá para ganhar dinheiro no Brasil com uma empresa do mercado digital ou que podemos ter uma vida longa com uma empresa e competindo de igual para igual com os grandes grupos lá de fora.

Eu e o Allan passamos, thanks god, dessa fase. Descobrimos que não somente dá para ganhar dinheiro com a nossa empresa, como ela pode, sim, competir com as melhores concorrentes do mundo. Não, isso não é garantia que a gente não a venda, mas é uma garantia de que a nossa visão e foco passam longe disso.

Estou convencido que um homem/mulher é capaz de ter uma grande marca associada ao seu nome em uma vida. Ele pode ter várias empresas e várias marcas, sem dúvida. Mas apenas uma será aquela pela qual ele sempre será lembrado e associado. O grande case. E, triste, cansei de ver em endinheirados empreendedores que venderam suas empresas uma expressão melancólica de arrependimento em seus rostos.

Esse complexo de vira-latas é tão disseminado, que há uns dois anos um amigo anunciou a venda de sua agência no Facebook, anúncio seguido de múltiplos parabéns. Mas espera um pouquinho. Ninguém vai perguntar por que ele vendeu? E se vendeu por dificuldades? Por estar quebrado? Por que vendeu, se a empresa era boa? Já repararam que muitas dessas empresas foram vendidas porque eram verdadeiras sensações em seus mercados? Mas se eram, pra quê vender? Se eram o máximo, deviam dar uma boa grana, certo?

Vou mais além: e quantas dessas marcas, que foram vendidas, ainda existem? Pouquíssimas. O comprador acaba por eliminar muitas vezes a marca comprada ou, pior, associá-la a outra, tirando seu DNA e identidade. Ajudando a matá-la. Isso no mercado digital. Não vou citar nomes aqui, mas a maioria das empresas (agências, provedores, empresas de SAAS) que conheço, que foram vendidas, perderam seu encanto. E se vendidas não fossem estariam gigantes agora. Mas a eterna pressão por vender vence. Está "setada no nosso mind set" para usar uma expressão bem brasileira.

Tenho certeza, pela expressão que vi nos rostos desses nossos amigos que venderam suas empresas, que todos eles pensaram a frase do título. Provavelmente, dois ou três após a venda. Também vi todos eles saírem como tarados com o dinheiro ganho a montar outras, a perseguir um novo case. Não dá. Não vai. Nessa hora, descobre-se que um grande case não é apenas para poucos. Um grande case é raro. Um conjunto de situações, desde a concepção do produto, a demanda, o momento de mercado, o time, as dificuldades? Tudo isso molda o grande case.

E, amigos, dinheiro é bom, mas ir todo dia para o melhor emprego do mundo (com um dinheiro razoável) é melhor. Mas, que merda, já era.

Jonatas Abbott é sócio-diretor da Dinamize.

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