Sexo em Porto Alegre

(Esta crônica faz parte do livro 'Meu tipo inesquecível e outras histórias pouco edificantes')

Os homens, que hoje podem usufruir dos prazeres sexuais com suas amantes ou namoradas, despreocupados e seguros em motéis confortáveis ou em suas casas, deviam interromper por alguns segundos suas atividades para prestar uma homenagem a nós, os precursores dessa batalha pelo direito do sexo livre.

Nas décadas 60 e 70, em Porto Alegre, ter uma boa e variada vida sexual não era nada fácil. Uma boa parte das moças que nos interessavam, ainda praticava aquela velha chantagem que suas mães lhe ensinaram: sexo só depois do casamento.

Mesmo com aquelas avançadas em seu tempo, havia um grave problema de logística: onde levá-las. Quem já tinha carro, poderia arriscar ser assaltado, preso pela polícia ou, na melhor das hipóteses sofrer um torcicolo, ao transformar os bancos do seu carro (quase sempre um Fusca) em cama.

Sobravam os lugares que alugavam quartos por hora. Como acontecia com alguns prostíbulos, essas casas não tinham nenhuma sinalização que nos orientasse em sua busca. Era um segredo, passado de boca em boca.

Tinha a "casa do meio" na Botafogo, quase de domínio público, mas as outras, na sua maioria, eram lembradas pelo nome de alguma benfeitora: a casa da Emília, a casa da Dorinha, da Lourdes e assim por diante.

Eram lugares de pouca higiene e quase nenhum conforto. Em vez de um banheiro, uma bacia com um jarro de água ao lado e um rolo de papel higiênico.

Sim, pessoal, fomos os heróis desbravadores do sexo em Porto Alegre.

Então, aquela senhora, antiga prostituta que ascendeu na vida pelo seu esforço diário, a Dona Marli, revolucionou o mundo do sexo na cidade, criando o primeiro motel digno desse nome em Porto Alegre. Grande, com estacionamento, portaria, apartamentos confortáveis e banheiros com água quente.

Suas modernas instalações ficavam na Padre Cacique, quase esquina José de Alencar, onde o Prefeito Thompson construiu aquele viaduto, até hoje praticamente inútil, ao qual deu  o nome de Pedro I.

Deveria merecer uma estátua dos que defendem o capitalismo e a livre iniciativa: uma grande empreendedora, Dona Marli, mas em vez disso foi vilipendiada e perseguida.

Naquele ano de 1977, vivia-se o auge da ditadura militar no Brasil e os milicos estavam comemorando os 150 da Independência.

Dentre as solenidades previstas estava a colocação de uma urna com os ossos do imperador, trazidos de Portugal num espaço do viaduto que levava seu nome.

Ocorre que ninguém chamava aquele viaduto pelo seu nome oficial. Era o Viaduto da Marli.

O que acontece então?

O Motel da Marli é fechado, a Marli é presa e os que naquela noite se dedicavam aos prazeres do sexo foram levados para a Delegacia de Costumes (sim, existia) para prestarem esclarecimentos.

Algum tempo depois, o motel virou um estacionamento e o viaduto continua lá, inútil e enfeando a paisagem.

Acho que ainda é conhecido por alguns como o Viaduto da Marli.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

Comentários