A guerra no fundo do quintal

      Os brasileiros têm tido pouco tempo para se comover com a guerra no Iraque. O assassinato serial de juízes é o item que faltava …

      Os brasileiros têm tido pouco tempo para se comover com a guerra no Iraque. O assassinato serial de juízes é o item que faltava para identificar a ação do crime organizado no país com a da Máfia italiana. Salvo demagogos convictos, politicamente-corretos profissionais e viajandões em geral, estamos ocupados olhando para o fundo do quintal, de onde, a qualquer momento, pode surgir uma bala perdida. Atingimos o paroxismo do medo urbano. Se magistrados são removidos ao comando de criminosos supostamente presos que, ao contrário da imensa maioria do povo brasileiro, recebem três refeições ao dia sem o suor do próprio rosto, não parece restar muito ao cidadão comum, do qual se exige imensos sacrifícios, e o qual ainda deve agradecer aos céus todas as noites caso tenha um emprego.
      A mídia parece não concordar com isso. Iraquianos mortos por bombas americanas impressionam bem mais do que brasileiros mortos por traficantes, assaltantes ou, simplesmente, brasileiros mortos de fome. É matéria internacional, e isso sempre dá charme. Bagdá, Mil e Uma Noites, essas coisas. O Grande Satã atacando com forças desiguais e etc. Guerras são sempre terríveis, ninguém discute. Mas isso não pode nos entorpecer. Dois juízes mortos em tão curto espaço de tempo parece indicar que os delinqüentes testaram nossos limites e gostaram do que viram.
      A Máfia foi glamurizada pelo cinema. Marlon Brando e Al Pacino são capazes de transformar qualquer criminoso em exemplo a ser seguido. Códigos de honra, pactos entre cavalheiros, a Máfia sempre teve sua própria ética, virou sinônimo de bando organizado, foi incorporada por nossos dicionários, mas o sangue das vítimas não mudou de cor, bandidagem continuou a ser bandidagem. No aconchego de nossas cadeias, os bandidos tropicais devem ter se deliciado com Mário Puzzo enquanto comiam pizzas de calabresa e falavam ao celular, isso depois de fazer sexo com qualquer mulher que o dinheiro sujo pudesse pagar. Acharam graça, como costumam achar do frouxo cumprimento das leis brasileiras. O Brasil, há muito, está em guerra. Uma guerra silenciosa, subterrânea. Quem assumir este fato terá de assumir também suas responsabilidades. Alguém se habilita?
* Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha e Dona Deusa e seus arredores escandalosos e da ficção juvenil Elyakan e a Desordem dos Sete Mundos.
( [email protected])

Autor
 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

Comentários