Agora estão me proibindo

      Como diria (ou não diria) Bertolt Brecht, primeiro proibiram a propaganda de cigarros, mas quem não fuma aplaudiu, afinal, faz mal mesmo e etc. …

      Como diria (ou não diria) Bertolt Brecht, primeiro proibiram a propaganda de cigarros, mas quem não fuma aplaudiu, afinal, faz mal mesmo e etc. Depois proibiram a propaganda de chupetas e mamadeiras, mas, quem não tem filhos aplaudiu, afinal, se fizeram isso devem ter lá suas razões. Agora proibiram a propaganda de medicamentos contra a impotência, mas quem não tem este problema (e, como sabemos, ninguém o tem) aplaudiu, afinal, são remédios fortes, com efeitos colaterais. Fala-se em proibir também a propaganda de remédios e chás que ajudam a emagrecer, mas os magros certamente aplaudirão, como aplaudirão quando proibirem comerciais de produtos diet e light. As bebidas alcoólicas estão igualmente no alvo, mas os abstêmios aplaudirão, assim como os saudáveis aplaudirão a proscrição total dos comerciais de medicamentos e das lanchonetes fast-food. Os vegetarianos se locupletarão com a proibição dos comerciais de churrascarias, em especial as de espeto-corrido.
      A propaganda seja do que for pode e deve ser permanentemente questionada. Até que ponto um comercial de bebidas faz alguém beber eu não sei avaliar com precisão, talvez seja mesmo uma má influência. Há vários outros produtos "impróprios", como diriam Bill Clinton e os autores de tais projetos, que poderiam ser proibidos, como o tele-sexo, os motéis, a camisinha, as financeiras, os cartões de crédito, os automóveis, que incentivam a velocidade ao enaltecer a potência e por aí vai. Na seqüência proibam-se os programas religiosos, e depois, quem sabe, também a propaganda política. Já que chegamos até aqui, certos programas de auditório bem que poderiam ser proibidos, e até mesmo alguns telejornais. Novelas então, nem se fale.
      Não vivemos sob censura oficial desde o final da ditadura, não há como negar. No entanto, volta e meia baluartes do autoritarismo metem o bedelho na produção cultural. Da mesma forma, há sempre um zeloso parlamentar disposto a garantir o bem estar da população. Na ausência de projetos que resolvam os gigantescos problemas do país, propõem a proibição da propaganda de alguma coisa, de preferência algo tido como nocivo (cigarros) ou duvidoso (emagrecedores), o que lhes garante a simpatia da mídia "cidadã" e do público em geral. Ganham exposição e votos sem tocar em temas relevantes e, portanto, sujeitos a um desgaste que não estão dispostos a enfrentar. A continuar assim, um dia todas as propagandas serão proibidas, e aí a mídia que hoje aplaude se extinguirá ou sobreviverá de anúncios oficiais, o que significará o fim da imprensa livre, bem ao gosto de tantos políticos brasileiros. Exagero? Convém não baixar a guarda.
* Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha e Dona Deusa e seus arredores escandalosos e da ficção juvenil Elyakan e a Desordem dos Sete Mundos .
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 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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