Amenidades, trivialidades e insignificâncias do dia a dia

Por Márcia Martins

Eu sei melhor do que ninguém que a vida está complicada e que seus capítulos futuros podem não ter mais finais felizes. Eu percebo melhor do que ninguém que a intolerância impera e que o resultado é muito ódio, raiva e desrespeito nas relações profissionais e pessoais. Eu compreendo melhor do que ninguém que todos e todas estão mergulhados neste cenário imundo de fake news que dominou aquela que parece ser a eleição mais suja da história deste Brasil (pelo menos nos meus 50 e muitos anos). Mas eu, hoje, vou me permitir - apesar de tudo - escrever somente amenidades, trivialidades e pequenas e necessárias insignificâncias do dia a dia.

Talvez até porque tenha medo de que esta liberdade de expressão seja censurada com o resultado do segundo turno das eleições presidenciais, se o candidato do ódio e do fascismo, o Jair Bolsonaro, vencer o pleito. Talvez até porque tenha um certo receio de enjoar meus leitores e leitoras (e existem sim) ao falar por três semanas consecutivas sobre o tal pleito eleitoral de 2018. Talvez até porque tenha esgotado os argumentos pacíficos e racionais para tentar explicar para aqueles que não querem mesmo entender - não sei se por comodismo, ignorância ou sei lá o quê - o perigo de escolher um fascista para governar o País.

Então, vou contar aqui da felicidade que é retornar ao lar doce lar, depois de um curto feriadão na casa do mano e da cunhada em Butiá, e ser recebida como se eu tivesse passado uns dois anos ausente, viajando, sem aparecer. Porque a alegria e a euforia do Quincas Fernando Martins, cusco vira-lata, ainda filhote (ele completa 12 meses em novembro), ao me ver entrar pela porta é algo indescritível. Não é possível contar as vezes em que Quincas deu pulos astronômicos para me saudar, quase me derrubando, me encheu de lambidas, me inundou de carinho e me olhou com aquelas duas bolitas de cor escura quase implorando para eu nunca mais sair e deixá-lo por um tempo.

Posso também narrar como é saudável passar uns dias longe de Porto Alegre, sem o ritmo nervoso de uma capital, sem as buzinas enlouquecidas que invadem as ruas da cidade nos horários de maior movimento, sem as filas enormes que atrapalham a fluidez nos bancos, nos supermercados, nos cinemas e nos shoppings. Ou ainda descrever de como a vida no interior é aprazível, acolhedora, com as pessoas caminhando pelas ruas sem o medo neurótico de serem assaltadas ou vítimas de alguma bala perdida. Calma. Eu sou muito urbana, sem a mínima possibilidade de migrar para uma cidade bucólica do interior. Mas, sabe-se lá. Um outro mundo sempre será possível.

E, para encerrar, relatar que estou torcendo para a inauguração da 64ª Feira do Livro de Porto Alegre, que começa em 1° de novembro e se encerra em 18 daquele mês, no seu palco tradicional, a Praça da Alfândega. Pelo menos enquanto ainda temos feira, já que o prefeito Nelson Marchezan Júnior levantou a hipótese de cobrar aluguel pelo uso da praça. Pois lá, nos seus cantos, nas barracas com os seus livros de lançamentos pendurados ou espalhados para atrair os visitantes, é que pretendo esquecer um pouco os resultados malditos destas eleições. Ah, mas hoje eu não queria mesmo falar sobre este assunto (como se fosse possível ignorar).

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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