Avisem a ministra: mulher linda, em qualquer lugar, é aquela que luta

Por Márcia Martins

Nestes meus quase 60 anos de vida louca, vida breve (tá, ainda falta um pouco para ser considerada sexagenária) já aprendi tanta lição que nem imaginava, estudei teorias e experimentei a prática do cotidiano, revi conceitos, reavaliei atitudes e ao final de cada dia que se encerra sei que não sou dona da verdade absoluta. Mas uma certeza juro que carrego desde o final dos anos 70 e início dos 80, quando era uma universitária do curso de Jornalismo da Famecos/PUC. A beleza de uma mulher é um quesito relativo. Não pode ser medida pelo volume da bunda, pela circunferência da cintura, pelo caimento dos cabelos sedosos ou pelo tom azulado de um atraente olhar. A beleza de uma mulher é diferente aos olhos de quem a vê. Não obedece a uma regra rígida e nem é definida por uma fita métrica.

A vizinha do apartamento do andar de cima, com sua fita vermelha extravagante a lhe segurar os cabelos lisos escorridos, revela uma beleza estonteante. A amiga da minha filha, que volta e meia pergunta se pode dormir aqui em casa, com uma boca carnuda realçada com um batom de tom marrom, apresenta uma beleza enigmática. A moça que atende na loja de departamentos, com seu uniforme que se assemelha aos trajes das estudantes de colégios de freira de antigamente, ostenta uma beleza perturbadora. A senhora de 40 anos e um olhar perdido no horizonte sombrio, que aguarda a sua vez na fila do supermercado, com seu pequeno rebento amparado nas ancas a lhe exigir atenção, esbanja uma beleza indescritível.

São mulheres belas, bonitas e exuberantes. Não pela maciez dos cabelos. Não pela boca carnuda. Não pelo pedaço de coxa que o uniforme permite vislumbrar. Não pelo olhar perdido. Essas mulheres, assim como tantas outras que conheço e como tantas outras com quem cruzo diariamente, são belas porque arregaçaram as mangas, porque não cruzaram os braços na janela para ver o tempo passar, porque estudam, trabalham, administram a vida pessoal e profissional e, principalmente porque lutam. É isto. Decifrado o mistério. Desvendado o enigma. Mulher bonita, em qualquer lugar do planeta, em qualquer situação, independentemente de ideologia ou seja lá o que for, é uma só: aquela que luta.

Mulher bonita é aquela que luta para obter bom desempenho na educação, em todos os níveis. Mulher bonita é aquela que luta para conseguir um emprego enquanto faz a faculdade porque necessita de dinheiro para pagar seu estudo. Mulher bonita é aquela que luta para que seu salário seja igual ao de um homem quando ambos exercem a mesma função. Mulher bonita é aquela que luta para ter a mesma importância que o homem no mercado de trabalho. Mulher bonita é aquela que luta para ter os mesmos direitos que os homens. Mulher bonita é aquela que luta e não aceita desaforo calada. Mulher bonita é aquela que luta para não ser julgada pela roupa que veste. Mulher bonita é aquela que luta para poder vestir a roupa que quiser. Mulher bonita, antes de tudo, é aquela que luta. Sempre. Em todos os momentos. E jamais se cala.

Para ser bonita, a mulher não precisa ser de esquerda. Nem de direita. Nem de centro. A mulher bonita deve lutar para defender a sua ideologia. E para isto, precisa lutar muito para ter embasamento suficiente. Para ser bonita, a mulher não precisa ser inteligente. Nem burra. Nem simpática. Nem antipática. A mulher bonita deve lutar para avançar mais no seu conhecimento, aprimorar suas dúvidas, desenvolver mais sua empatia e até mesmo abusar da antipatia, quando necessário. Para ser bonita, a mulher não precisa estar vestindo grifes famosas, usando perfumes de marca, e nem mesmo ser um mero acessório de um homem. A mulher bonita deve lutar para ter recursos para se vestir sempre o melhor possível e jamais depender de um homem para lhe trazer felicidade.

Fui começar a perceber a magia da verdadeira beleza da mulher quando entrei na faculdade, lá em 1979, período em que me libertei de algumas amarras familiares e passei a entender melhor a beleza da minha mãe Mirthô. Mamis era uma mulher bela porque lutou. Toda a sua vida. Do seu jeito. Da sua maneira. Mas sempre lutou. Nunca entregou os pontos. Jamais se deu por vencida. Nunca desistiu de nada. Da sua forma, rompeu barreiras e quebrou paradigmas. Mamãe era uma mulher bonita. Não pelo belo nariz delineado que me olha na foto do retrato em branco e preto. Não pelo abraço estendido que sempre emprestava quando um filho pedia. Mamãe era uma mulher bonita porque foi uma mulher de luta.

Então, acho que precisam avisar a ministra dos Direitos Humanos do governo de Jair Bolsonaro, a impagável Damares Alves, que mulher bonita é aquela que luta. Num discurso contra as feministas, feito em 2015, revelando novamente a sua ignorância e total inaptidão ao cargo, ela disse: "feministas são feias e nós somos lindas". E nem preciso subir num pé de goiabeira para ter esta certeza. Nem ver Jesus. Cada uma que ela diz. E enquanto ela fala asneira e mais asneira, cresce o número de feminicídios no Brasil.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

Comentários