É hora de poesia, quem diria?

Por Marino Boeira

Entre 1942 e 1945, Carlos Drummond de Andrade (1902/1987), o nosso poeta maior, escreveu uma série de poemas reunidos sob o título de 'A Rosa do Povo'. Nosso Tempo foi um deles. Nele, Drummond fala sobre uma época de grandes decisões, quando o mundo se dividia entre o nazismo e a democracia e era preciso escolher um lado. Drummond escolheu o melhor lado e terminou esse poema dizendo que "o poeta declina de toda responsabilidade na marcha do mundo capitalista e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas prometa ajudar a destruí-lo como uma pedreira, uma floresta, um verme".

Drummond entendia, porém, que esse percurso não era fácil e que seria preciso deixar muitas coisas pelo caminho.

"Esse é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra."

Hoje, órfãos do grande poema, vivemos novamente uma época de homens partidos.

No próximo dia 28, vamos ser chamados novamente a fazer uma opção, felizmente essa um pouco diferente daquela vivida pelo poeta, quando a vitória de um dos lados seria feita muito mais pela força das armas.

Essa nova decisão será tomada pela força dos votos, mas de certa forma vivemos o mesmo dilema.

Vamos decidir entre a continuidade da precária democracia em que vivemos ou um mergulho num projeto extremamente autoritário, que, em muitas de suas propostas, aproxima-se de um fascismo explícito.

Mais do que uma disputa entre Fernando Haddad, que, independentemente de suas qualidades pessoais, é um humanista, professor universitário e um homem de diálogo, e Jair Bolsonaro, um capitão da reserva do Exército, autoritário, preconceituoso e, acima de tudo, uma pessoa dotada de escassos dons intelectuais, o que estará em jogo nas eleições é se nós, brasileiros, poderemos continuar sonhando com uma pátria mais solidária e justa ou mergulhamos de vez numa sociedade que cultua a violência e que discrimina os mais pobres.

Se no dia 28 não formos capazes de derrotar a besta e seu séquito de maldades, só nos restará tomar outro poema de Drummond - 'E agora, José' - e usá-lo como epitáfio para a nossa falta de coragem.

"E agora, José? / A festa acabou,/ a luz apagou / o povo sumiu,

a noite esfriou, e agora, José? E agora, você? Você que é sem nome,

que zomba dos outros / Você que faz versos / Que ama, protesta?

e agora, José? Está sem mulher,/ está sem carinho / está sem discurso / já não pode beber / já não pode fumar / cuspir já não pode / a noite esfriou / o dia não veio / o bonde não veio,/ o riso não veio / não veio a utopia / e tudo acabou / e tudo fugiu / e tudo mofou / e agora, José? Sua doce palavra / seu instante de febre sua gula e jejum / sua biblioteca / sua lavra de ouro / seu terno de vidro / sua incoerência, seu ódio - e agora? Com a chave na mão / quer abrir a porta / não existe porta / quer morrer no mar / mas o mar secou / quer ir para Minas / Minas não há mais / José, e agora? / Se você gritasse /

se você gemesse / se você tocasse / a valsa vienense / se você dormisse / se você cansasse / se você morresse / Mas você não morre você é duro, José / Sozinho no escuro / qual bicho-do-mato,

sem teogonia / sem parede nua / para se encostar,/ sem cavalo preto

que fuja a galope / você marcha, José / José, para onde?"

 

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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