Histórias curtas para pequenos contos

Por Flávio Dutra

O revisor

Ele era o revisor da editora. Mas inconformado em apenas corrigir os erros -  muitos  - gramaticais, passou a modificar - para melhor - o estilo do texto do autor iniciante. Cortou e acrescentou em todos os capítulos. Ficou satisfeito com as mudanças.  O autor logo percebeu que a obra não era a original que escrevera, mas até ele reconhecia que o resultado era tão melhor em forma e conteúdo que silenciou sobre o novo texto.

A obra, uma ficção que se pretendia inédita, conquistou sucesso imediato, virou best seller, frequentando por  muito tempo as listas dos mais vendidos e as premiações do gênero. Considerado revelação literária do ano, o autor cometeu outras obras, todas elas revisadas, ou melhor, reescritas pelo mesmo especialista e todas elas de sucesso garantido. Graças a isso, assinou contratos fabulosos, cedendo direitos para a TV e o Cinema, acabou eleito para a Academia Brasileira de Letras e passou a sonhar com o Nobel de Literatura. Seria o primeiro brasileiro com essa láurea.

Tudo transcorria bem para o autor, agora famoso e rico, até que...

Tele salvação

O robô do telemarketing completou para a moça da posição 15 a trigésima ligação naquela tarde. Ela contabilizava 25 nãos e cinco que nem atendidas foram. A surpresa agora é que já na primeira chamada o telefone foi atendido.

- Boa tarde, meu nome é Lisandra e estou ligando para lhe oferecer  uma oferta excepcional da nossa operadora de telefonia. Para sua segurança esta ligação está sendo gravada.

A segunda surpresa foi que a ligação não foi cortada e , mais do que isso, houve uma calorosa receptividade da voz feminina do outro lado:

- Que bom que tu ligaste, minha querida. Eu estava me sentindo tão só.

- Senhora, nossa oferta é realmente excepcional...

- Sabe que ninguém  liga mais aqui pra casa. Nem meus filhos, estes ingratos, nem meus netos, que eu amo tanto,

- A senhora gostaria de ouvir nossa oferta e as condições especiais...

- Fico sozinha em casa, eu e meus gatos. A Piruska e o Galileu. São umas gracinhas.

A moça do telemarketing, acostumada aos maiores impropérios dos potenciais clientes, decidiu mudar o rumo da conversa, pensando em mais adiante retomar a proposta e tentar fechar pelo menos uma venda naquele dia. Foi quando do outro lado veio uma revelação que a deixou muito preocupado com aquele contato.

- Olha, minha filha, já pensei até em acabar com tudo... Essa vida de isolamento não é vida.

Neste momento a supervisora aproximou-se  da  posição da moça  e...

Venda casada

O apartamento de andar inteiro num bairro elegante da cidade ficara grande demais para o casal que chegara aos 60 anos e mais. Os filhos estavam criados, encaminhados profissionalmente e cada um com sua parceria.  Agora havia dois quartos desnecessários no amplo imóvel. A solução foi a mudança para outro apartamento, menor, mas mais aconchegante, num prédio recém construído,  ali perto porque não abriam mão do status que o bairro lhes  conferia, ele medico de clientela cativa e abonada e ela funcionária pública de muitos avanços.

A solução foi vender o apartamento antigo e é aí que aparece um novo personagem nessa história: o corretor de imóveis.

- Olha, doutor, gostaria de ter exclusividade por  pelo menos dois meses para a venda do imóvel.

- Como assim? Já tens alguém em vista?

- De certa forma tenho. Uma tia que ganha uma boa pensão pode se interessar.

O proprietário ficou a imaginar a idade da tal tia, já que o corretor rivalizava em idade com ele. Foi então que fez uma proposta ao corretor:

- Tenho um tumulo no cemitério que também quero vender. Será que tua tia não se interessa?

E acrescentou outro argumento de venda:

- Se ela for gremista, explica que a sepultura tem vista para o Estádio Olímpico, ou o que restou dele.

- Doutor, o senhor está me propondo uma venda casada?

Como sou desapegado dos meus textos, essas três ideias ficam disponíveis para  quem quiser dar  seguimento. Podem, inclusive, trocar os títulos. Garanto que não vou cobrar os direitos autorais.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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