Mais uma tentativa de culpar a vítima

Por Cris De Luca

Há 10 dias estamos ouvindo relatos de mulheres que acusam o médium João de Deus de abuso sexual e estupro. As primeiras corajosas fizeram as revelações no Programa Conversa com Bial. E depois das primeiras informações jogadas para fora, apareceu mais uma leva, depois outros e mais outra, e até mesmo a filha dele veio a público revelar que foi abusada pelo pai. São mais de 400 mulheres (números atualizados) que já entraram em contato com o Ministério Público e com a polícia para acusá-lo. E me parece que não vai parar por aí esse número, não.

Logo que vi as primeiras notícias, tive que ler muitos comentários (confesso que não gostaria de ter visto) de pessoas rechaçando os depoimentos e colocando em dúvida o que essas mulheres estavam falando. Muitos questionaram porque demoraram tanto para acusar João de Deus. Algumas das denunciantes comentaram que sofreram ameaças quando falaram sobre o assunto com alguém logo após o ocorrido. Outras só entenderam o que tinha acontecido um tempo depois. E é provável que tenhamos muitas ainda em casa lembrando os abusos e pensando se era mesmo ou não, ou apenas uma forma "alternativa" da criatura citada anteriormente fazer seu "trabalho".

Lendo matérias sobre o momento em que ele se entregou e como a defesa iria agir ficou nítido que a primeira tentativa dos advogados será deslegitimar as vítimas. Começando pelo fato de que dizem que o pedido de prisão preventiva veio com poucas denúncias de abusos e sem o nome das denunciantes. Sim, queriam que entregassem a lista com nome, endereço e telefone para coagir essas mulheres? Depois, veio a história de falar que a holandesa que acusou João de Deus era prostituta e tinha passado de extorsão. Como se prostitutas não pudesse ser abusadas e estupradas. E por que ela não foi extorquir ele antes de fazer as revelações? E, por último, mas não menos importante, alegaram que a filha dele que disse ter sido estuprada dos 10 aos 14 anos tem histórico de internações. Alguém conseguiria viver em paz depois de passar por uma situação dessas?

Existe medo, existe vergonha, existe culpa, existe uma grande confusão mental, emocional e, às vezes, física, depois de uma situação de abuso/estupro. Se você nunca passou por uma, você não tem a mínima noção do que estão sentindo essas mulheres. E mesmo que tenha passado, cada uma reage de um jeito. Parem de julgar. É muito difícil que este monte de mulheres, de seis países diferentes, que relatam suas histórias de forma muito próxima, estejam mentindo. O que me dá mais nojo nisso tudo é que um cara que diz promover curas a partir da mediunidade ataca pessoas completamente vulneráveis e que confiam cegamente nos seus "poderes".

Sobre essas e tantas outras mulheres que sofrem abusos por aí, a única coisa que se pode fazer (tentar, na verdade) é dar carinho e segurança para que elas possam se restabelecer e voltar a viverem suas vidas com um pouco mais de tranquilidade, porque voltar a ter paz é quase impossível.

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

Comentários