O canto das sereias

Por Marino Boeira

Segundo Homero, depois da Guerra de Troia, Ulisses, o Rei de Itaca, inicia, com seus marinheiros, a volta para o seu lar e para os braços de sua esposa, Penélope.

Ulisses sabia que o perigo maior para essa volta eram as Sereias, que com seu canto atraiam os marinheiros e seus barcos para os rochedos na Ilha de Capri.

Para não sucumbir ao canto das sereias, Ulisses, aconselhado por Circe, encheu de cera os ouvidos dos marinheiros e se fez prender no mastro do navio.

A passagem é contada no capítulo XII da Odisséia, pelos versos de Homero e nos mostra Ulisses, que, ao contrário dos outros heróis gregos, não era Deus, nem Semi-Deus, como um homem atormentado por dúvidas e que precisa fazer um grande esforço para não ceder ao "canto das sereias".

Mesmo amarrado, ele pedia aos gritos para ser solto, mas seus marinheiros estavam surdos para seus pedidos.

Nada mais atual que o mito de Homero.

Como resistir ao canto fácil das sereias, na política por exemplo.

Claro que, se você é uma pessoa de esquerda, é razoavelmente fácil por de lado a sedução das ofertas da direita.

Ou deveria ser.

Mas e os falsos cantos de uma parcela da esquerda, que também existem, como fazer?

Basicamente, você só poderá se considerar uma pessoa de esquerda, se o seu projeto de sociedade seja o socialista.

Você não pode doar suas forças e energias apenas para o aperfeiçoamento da sociedade capitalista, pelo menos, não como objetivo final dos seus sonhos.

Vamos supor que a sociedade que você imagina seja aquela idealizada por Rosa Luxemburgo; "Um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres.

Como diz Michael Lowy sobre a grande revolucionária alemã: "Sua oposição irreconciliável ao capitalismo e ao imperialismo, sua concepção de um socialismo revolucionário e ao mesmo tempo democrático, baseado na práxis auto-emancipadora dos trabalhadores, na auto-educação pela experiência e pela ação das grandes massas populares, é de uma impressionante atualidade, sobretudo aqui, no Brasil e na América Latina"

Por que então se contentar com menos?

Será preciso nos atarmos também ao mastro do navio que representa nossa vida, para resistirmos às propostas tão sedutoras do reformismo do PT?

Talvez, se o nosso objetivo for mesmo chegar a essa nova Itaca.

Como disse Rosa Luxemburgo é socialismo ou barbárie, frase que István Meszaros (Socialismo no século XXI) completou, dizendo: barbárie na melhor das hipóteses, porque o que se prenuncia com a radicalização do capitalismo é a destruição da humanidade.

Eu, pessoalmente, estou querendo resistir ao mavioso canto das sereias petistas me amarrando a algum mastro simbólico.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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