O fenômeno Bolsonaro

Por Flávio Dutra

Escrevo esta coluna antes de saber o resultado das urnas no domingo. As conclusões que seguem independem do resultado eleitoral, por isso afirmo, sem hesitar, que Jair Bolsonaro é o maior fenômeno eleitoral das últimas décadas. Um fenômeno só comparável a Donald Trump, com mérito maior do brasileiro, que não conta com a poderosa estrutura que o norte-americano tinha à disposição.

Esse é um dos pontos, entre outros, que fazem do ex-capitão o fenômeno constatado e que surpreendeu os especialistas: tempo reduzido no horário eleitoral, um partido nanico, coligado a outro nanico, carreira e biografia nebulosas, uma campanha que beira o amadorismo, sem contar as declarações desastrosas dele e do seu vice, e o bate cabeça dos desmentidos. 

Ao conjunto de fragilidades deve ser acrescentado mais: passou quase todo o primeiro turno hospitalizado, enfrentou acusações de toda a ordem, hostilidade de boa parte da mídia e a posição contrária de vários segmentos, com destaque para as mulheres e o pessoal LGTB; não é um grande orador, nem faz o gênero carismático, não tem padrinho forte como Haddad, nem ostenta experiência administrativa como um Alckmin ou um Ciro e não tem candidatos  a governador na maioria dos estados (liderava com folga em 18 dos 27); não se conhece uma só proposta dele, a não ser a de liberar armas para todos. Ou seja, Bolsonaro tinha tudo para ser um Boulos ou um Eymael qualquer, ou, pior ainda, baixar de patente e virar um Cabo Daciolo.

Pois, ainda assim, a candidatura dele não só resistiu na liderança com ampliou a vantagem na campanha presidencial, superando representantes de forças políticas de peso e tradição, como PT, PSDB, MDB e todos os partidos do Centrão.

Vale esclarecer que não estou fazendo uma adesão à candidatura dele, mas sou obrigado reconhecer que ele adquiriu uma estatura que seu retrospecto político e pessoal não indicavam. Então, como explicar esse fenômeno? A resposta simplista é que a atual campanha está mais caracterizada pelo voto contra do que a favor e Bolsonaro representa, como ninguém, o sentimento antipetista. Na realidade - e nem estou sendo original -, este Bolsonaro que aí está é cria do PT, do 'nós contra eles', da apropriação indiscriminada do Estado e da corrupção em todos os níveis, que levou seus principais líderes para a cadeia. Só que é uma verdade parcial, porque Alckimin é mais declaradamente antipetista, assim como Álvaro Dias e mesmo Ciro, que fustiga o PT sempre que provocado. No entanto, todos eles patinam nas pesquisas e ficaram longe dos líderes.

Bolsonaro representaria também o voto dos menos instruídos - e menos esclarecidos - e, majoritariamente, dos homens. Duas falácias: as pesquisas da reta final do primeiro turno mostram o crescimento da candidatura entre as mulheres, apesar do movimento EleNão - ou por causa dele - e entre os eleitores mais ricos e com melhor nível de instrução, onde já liderava. E, assim, a onda Bolsonaro ganhou impulso, canalizando o conservadorismo que habita, em escala crescente, entre os brasileiros.

A verdade é que nenhum candidato incorporou de maneira mais eficaz o figurino do candidato que é 'contra tudo isso que está aí', um pacote que inclui o PT e seus satélites, o governo Temer, os tucanos mais emplumados, a agitação dos movimentos sociais e a classe política em geral. Além disso, encarna a representação de uma instituição com reconhecida credibilidade, as Forças Armadas, reforçada pela presença do general Mourão como vice, uma forma de mostrar que é o mais preparado para dar resposta à grave questão da segurança, a que mais preocupa a população.

Nesse contexto, é avaliado pelos seus seguidores como o mais apto a garantir a lei e a ordem. Resiliente, as bobagens que prega soam como manifestações de sua autenticidade e reforçam a imagem do personagem que representa. Claro que cientistas políticos, sociólogos, antropólogos e analistas da mídia devem ter explicações mais científicas e aprofundadas sobre o fenômeno do que as rasas avaliações deste modesto observador de cenários.

Entretanto, firmo posição: independentemente do resultado do segundo turno, Bolsonaro já pode se considerar um vencedor nesta eleição. O resultado final, porém, vai mostrar se ele veio para fazer história como o novo presidente da República ou se vai ficar na memória como mais um Cacareco*, que canalizou os votos de protesto, mas não se realizou como líder político de projeção.

*Cacareco era um rinoceronte do zoológico do Rio emprestado para o zoo de São Paulo que nas eleições municipais de 1959 recebeu cerca de 100 mil votos, tornando-se o 'candidato' mais votado naquela eleição. Foi um dos casos mais famosos de voto de protesto da história política brasileira.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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