O outono do patriarca

      Velhos caudilhos recusam-se a envelhecer com dignidade porque acreditam que códigos e leis, inclusive as da natureza, não lhes dizem respeito. Tampouco aceitam mudanças …

      Velhos caudilhos recusam-se a envelhecer com dignidade porque acreditam que códigos e leis, inclusive as da natureza, não lhes dizem respeito. Tampouco aceitam mudanças éticas impostas pelo amadurecimento de sociedades democráticas. Para eles, democracia traduz-se na velha máxima de que todos são iguais diante da lei, mas alguns, no caso eles, são mais iguais. Julgam-se capazes de revogar sentimentos populares, a Constituição e até a passagem do tempo. Por que diabos, então, não deveriam usar o poder do qual ainda julgam dispor para se vingar de uma ex-namorada?
      Antônio Carlos Magalhães acostumou-se a tratar a Bahia como sua sala de estar e o Brasil como o pátio da casa. Protegido por dívidas de gratidão, pelo justificado temor dos adversários e mesmo pela cumplicidade de jornalistas de estimação, ACM tornou-se personagem de García Márquez. O tempo de homens como ele já passou, mas ele não acredita nisso e os amigos o poupam do dissabor de informá-lo.
      Grampear os telefones da ex-namorada e do atual marido dela é atitude de muitas leituras. O combalido coronel pode estar à procura de algum indício que os inclua no rol dos delinqüentes da nação. Quem sabe busque elementos para tê-la de volta, ainda que sob chantagem. Ou talvez queira utilizar as gravações para exercitar alguma fantasia. Apaixonados comuns conformam-se e partem para um novo amor. Os nem tão comuns seguem a ex à espera de uma oportunidade de reavê-la ou de se vingar. Homens como ACM recorrem a um delegado amigo. Ele já renunciou para escapar à cassação. É provável que tenha de fazê-lo outra vez. A cara da Bahia pode expressar a ironia refinada de Caetano Veloso ou a simpática sensualidade de Daniela Mercury. Há muito dispensou a obscura honra de assemelhar-se a ACM.
* Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha e Dona Deusa e seus arredores escandalosos e da ficção juvenil Elyakan e a Desordem dos Sete Mundos.
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 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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