Pedidos singelos ao Novíssimo Ano

Por Flávio Dutra

O trepidante 2018 já se foi e como sempre acontece faço meus pedidos e promessas ao Novíssimo Ano, que chega com esperança de renovação. É sempre assim na largada, mas nem sempre as expectativas se realizam. Mas vamos em frente, injetando uma dose de otimismo que mal não faz. Tem vários repetecos dos anos anteriores entre o que almejo e os compromissos que assumo, mas é assim mesmo porque não dá pra ficar demandando ao recém-nascido muita coisa nova.

Assim, em tese, mas só em tese, por enquanto, não quero paz, mas as provocações que constroem e não as que desqualificam. Quero emoções novas e desafios que eu mesmo me imponha. Quero um pouco de desarmonia, que não é sinônimo de conflito, mas uma forma de mostrar outros matizes e semitons onde pode estar contida a verdade verdadeira. Sempre gostei deste parágrafo, cheio de alegorias!

Sigo reiterando o apelo feito em anos anteriores: encarecidamente, Novíssimo Ano, livrai-me dos chatos; vale repetir, livrai-me dos chatos. E reforço os outros pleitos: mantenha longe de mim também os mordedores em geral, os picaretas de todos os matizes e os pedintes de favores que não estão ao meu alcance. Quero distância, igualmente, dos baixo astrais, dos angustiados, dos obsessivos porque tenho medo de ser contaminado e contrair uma deprê. E mais, se não for abuso, suplico: mande para longe os duvidosos de caráter, os falcatruas, os descompromissados, os sugadores de energia, os tóxicos em geral. Coloque em fuga, por especial gentileza, os arrogantes, os prepotentes, os invejosos e todos da mesma laia.

Repito outros pedidos impossíveis de postergar. Apelo, meu ainda bom menino, para o teu anunciado espírito harmonioso: dê um jeito de reaproximar-me dos que ofendi e se apartaram, e dai-me o dom da tolerância para aceitar e receber os que se desgarraram por qualquer razão. Faça pousar em mim a deusa da Paciência e que venham juntas as amazonas altivas da Fé e da Esperança, que um dia tive e que se perderam no tempo. Com isso, serei fortaleza que não se dobra, terei coragem para enfrentar as adversidades e energia para novos desafios, que podem ser intensos, mas gratificantes na mesma medida.

No repeteco, salve-me das filas, as dos bancos e dos supermercados, e todas as outras onde corra o risco de ser interpelado por desconhecidos que me tiram para confessionário e interrompem minhas ruminações. Não admita, por compaixão, que a guria bonita me pergunte a idade antes de distribuir a senha, se a maldita fila for inevitável. Guarde uma boa vaga de Idoso pra mim nos supermercados e na Zona Azul, para que os Azuizinhos me larguem de mão e parem de me multar. Abusando da compaixão, não permita que as bonitinhas me chamem de tio e muito menos de vô, chamado que prefiro reservar apenas para a Maria Clara, a Rafaela, o Augustão e, futuramente, a Lívia. Mas não abro mão do carinho das caldáveis, mesmo que seja afeto virtual.

E tem mais uma listinha facilzinha e repetida, meu ainda futuroso 2019. Não deixe faltar uma boa carne na minha mesa, saladas variadas, cerveja gelada, um vinho encorpado para as noites de Inverno e um espumante para acompanhar o gosto feminino. E se não for pedir muito, que eu reencontre aquele doce de abóbora de comer ajoelhado e o pudim que justifica a ida frequente àquele restaurante do Centro Histórico. Ah, e aquela berinjela, a carne de panela com batatas e uma caixa de Bis só pra mim. Se não for contraditório, aproxime de mim essas tentações. E que sempre possa dividir a boa mesa com companhias agradáveis, brindando os bons momentos da vida que não são muitos e até por isso precisam ser valorizados. Conceda-me, de vez em quando, jogar um pouco de conversa fora, curtir mais a minha gente, vagabundear sem culpa, experimentar o novo e, por que não?, me entregar a alguma extravagância. E dá uma forcinha e inspire os médicos para que receitem menos remédios e exijam menos exames. 

Em contrapartida, Novíssimo Ano, prometo continuar sem fumar, me exercitar com regularidade, voltar à academia, comer menos fritura e beber moderadamente, cometer menos infrações no trânsito, colocar em dia as leituras e fuçar menos nas redes sociais, ouvir mais e falar menos, lançar um novo livro, respeitar mais e debochar menos, lembrar o aniversário de casamento e outras datas importantes e não desejar a mulher do próximo, nem a do distante, porque os outros pecados acho que não os cometo. A não ser que um pouco de rabugice seja pecado, dos veniais, mas até isso, afirmo de novo, pretendo corrigir. Nesses termos peço sua compreensão e deferimento, bem-aventurada criança.

Autor
Flávio Dutra, porto-alegrense desde 1950, é formado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), com especialização em Jornalismo Empresarial e Comunicação Digital. Em mais de 40 anos de carreira, atuou nos principais jornais e veículos eletrônicos do Rio Grande do Sul e em campanhas políticas. Coordenou coberturas jornalísticas nacionais e internacionais, especialmente na área esportiva, da qual participou por mais de 25 anos. Presidiu a Fundação Cultural Piratini (TVE e FM Cultura), foi secretário de Comunicação do Governo do Estado e da Prefeitura de Porto Alegre, superintendente de Comunicação e Cultura da Assembleia Legislativa do RS e assessor no Senado. Autor dos livros 'Crônicas da Mesa ao Lado', 'A Maldição de Eros e outras histórias', 'Quando eu Fiz 69' e 'Agora Já Posso Revelar', integrou a coletânea 'DezMiolados' e 'Todos Por Um' e foi coautor com Indaiá Dillenburg de 'Dueto - a dois é sempre melhor', de 'Confraria 1523 - uma história de parceria e bom humor' e de 'G.E.Tupi - sonhos de guri e outras histórias de Petrópolis'. E-mail para contato: [email protected]

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