Simplesmente eu não estou hoje para conversas

Por Márcia Martins

Deve existir neste mundo dos humanos uma expressão facial universal que, em pleno 2018, uma vez utilizada passe o significado imediato de "não estou nem um pouco a fim de jogar conversa fiada hoje". Pronto. Simples. Direto ao ponto. Sem meias palavras. Sem a necessidade de machucar ninguém. Sem passar a ideia de falta de educação. Sem precisar ser claro o suficiente para explicar a ausência de vontade de trocar palavras. E, principalmente, sem o constrangimento insuportável de obrigar a pessoa que não está interessada em lero-lero a entabular um assunto banal e chato com o desconhecido.

Pequenos sinais faciais. Como uma testa franzida talvez. Um olhar atravessado e até desviado para dar a impressão de enfado. Um lábio torcido com um leve movimento a indicar nojo. Negativas sucessivas com a cabeça a revelar pouca e nenhuma disposição de estender um assunto. Acredito que alguma destas alternativas deva funcionar para evitar a frase desagradável e mágica que encerra de vez a conversa chata e tediosa entre estranhos que é: "Me desculpe, mas definitivamente não estou com ânimo para muito papo".

Mas nem sempre (com alguma frequência, arrisco dizer) estas expressões ou pequenos sinais são compreendidos pela pessoa que se encontra ávida para levar adiante um assunto com o primeiro desconhecido que passa pela sua frente. Seja na fila do banco. No ponto de ônibus. Na mesa do restaurante. No supermercado enquanto pesquisa os valores dos produtos e sempre resolve reclamar da disparada no preço do feijão. Então, é preciso tomar uma boa dose de paciência, goles generosos de tolerância, gotas excessivas de serenidade e pedir a ajuda de todos os santos, os orixás, os espíritos evoluídos, os duendes, as fadas e rezar em todas as línguas.

Um domingo ensolarado destes, depois de realizar a minha caminhada política no Brique da Redenção, entrei para almoçar calmamente em um estabelecimento pequeno com uma comida honesta e de preço acessível ali no bairro Bom Fim. Fiquei aguardando que vagasse uma mesa e recusei o convite de uma senhora bem gentil para que eu sentasse com ela a fim de não ficar esperando em pé. A recusa já me mostrou que eu não estava, naquele dia, para "conversas de matilde". Meu único desejo era almoçar em paz, sossegada e, em seguida, retornar para minha casa, descansar um pouco para reiniciar a minha jornada militante.

Quando finalmente arrumei uma mesa e já havia solicitado o prato do cardápio, uma senhora de uns 75 anos (imagino) nem perguntou se poderia me fazer companhia e foi sentando ao meu lado, puxando para o seu canto todos os temperos e me entregou uns panfletos de uma religião que não faço a mínima ideia do que se tratava. Como sou, embora nem sempre pareça, uma pessoa muito educada, disse que não queria seus papéis e desviei o olhar para não estimular a conversa. Daí, a senhora resolveu falar sobre o tempo, o sol, a chuva, as pessoas estranhas na rua, mulheres com mulheres e homens com homens. Ai, meus sais. Não queria comentar a meteorologia com a estranha e menos ainda ouvir suas impressões sobre diversidade sexual.

Em respeito aos seus cabelos brancos, dei um resmungo e encerrei tal prosa. Pois não é que a senhora, mesmo vendo a minha camiseta tapada de adesivos dos candidatos majoritários e de deputado federal e estadual do partido que apoio e para o qual milito, decidiu me fazer propaganda daquela criatura que concorre à presidência e cujo nome eu me recuso a escrever ou pronunciar. Assim que iria iniciar, em um tom um pouco mais áspero uma conversa com ela dizendo que eu tinha as minhas escolhas políticas, que não estava oferecendo para ela as minhas opções e que não desejava falar ali com desconhecidas, vagou uma mesa mais perto da televisão e eu pedi licença afirmando que precisava escutar o noticiário. Mentira, é claro.

Foi então que pensei na tal expressão facial universal que poderia ser a solução de muitos problemas quando simplesmente as pessoas não estão simpáticas para levar adiante conversas sem sentido. Educadamente. Sem magoar. Sem ter que trocar de mesa. Sem ter que emitir som nenhum.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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