Tenho medo

Por Cris De Luca

Exterminar. Metralhar. Eliminar. Fazer uma limpeza. Fazer valer a lei no lombo de vocês. Esses foram alguns dos termos utilizados nos últimos dias em plena campanha eleitoral por um candidato à presidência da República quando falava sobre quem se posicionava contra ele. Outro dia, também ele falou que queria transformar o Brasil no país de 50 anos atrás. Tenho medo pelo o que está por vir. Mais alguém se sente assim? Sei que não estou sozinha nessa angústia toda, mas é difícil compartilhar esse tipo de coisa. A gente só quer ficar quieto e esperar o tempo passar, torcendo para que não aconteça nada disso que a gente está imaginando que pode acontecer nos próximos anos por aqui.

Não, não tenho mais de 50 anos para saber como era o Brasil. Mas tudo que estudei no colégio e depois dele, me dá uma boa base. Ter pais que viveram de forma completamente diferentes aqueles tempos também me faz ter uma visão mais ampla. Ter parentes que sofreram na pele e na mente durante aqueles anos também me ajuda a pensar. E o que me apavora é que tantas pessoas que têm essa mesma base como eu tive, não conseguem olhar para o que está acontecendo e ter o mínimo de discernimento do risco que a nossa democracia está correndo.

Lembro que na época da faculdade (da primeira), entrevistei uma prima do meu pai para fazer um perfil para uma disciplina. Como ela era bem conhecida no Estado pela sua história de vida e desde pequena eu escutava falar sobre o que ela tinha passado na ditadura, perguntei se ela não toparia falar comigo e ela aceitou. Durante uma tarde, enquanto meu pai ficava sentado no sofá me esperando, ela remexeu documentos e lembranças de uma época dura e que deixaram muitas marcas na vida dela. E ela me contava tudo aquilo com um orgulho enorme de ter lutado contra tudo que estava posto, mas também com uma dor que dava para sentir em cada palavra. A história é longa e triste, mas, resumindo, ela foi presa mais de uma vez, foi torturada por acharem que ela era outra pessoa, passou boa parte do tempo fugindo, teve que abandonar o filho para que ambos tivessem chance de viver, foi exilada (depois a família reencontrou a criança e levou para viver com ela em Cuba) e retornou ao Brasil na época da Anistia.

Por que estou contando isso? Porque depois de ouvir da boca de um presidenciável que seus adversários serão banidos da Pátria, que vão para fora ou para a cadeia, fiquei lembrando essa minha conversa com ela, que deve ter quase 20 anos, quando ela me dizia o que ela tinha feito para ser considerada uma ameaça. Ela era estudante de Pedagogia (como dizia ela, naquela época mulher só podia ser professora) na universidade federal e com outros colegas se reuniam em encontros e protestos para pedir mais igualdade e políticas públicas mais eficientes, pedir mais acesso às coisas básicas para todos. Mas o que ameaçava mais era um bando de gente reunida para falar o que realmente pensava. E a gente que nasceu com toda essa liberdade de dizer o que pensa, que foi conquistando o espaço para poder ser o que quiser ser, tem tudo isso ameaçado mais uma vez.

Naquela época, as perseguições, as torturas, as mortes e tantas outras coisas que aconteciam eram institucionalizadas. Elas aconteciam de forma sistemática por pessoas do governo. Agora, desde que passou o primeiro turno das eleições, a gente tem visto as pessoas serem ameaçadas ou violentadas na rua por pensar diferente, por ter uma orientação sexual diferente, por ser mulher e estar andando sozinha na rua, por votar em outro candidato. E as pessoas que estão fazendo isso são apenas eleitoras de um candidato que se sentiram autorizadas e empoderadas a terem tais comportamentos a partir das falas dele.

Tenho medo do que pode acontecer no Brasil a partir do próximo domingo. Tenho medo do que pode acontecer nos próximos anos. Tenho medo não só por mim, mas também por todas as pessoas que eu amo e até as que não conheço e que têm a mesma linha de pensamento que eu: só queremos ser livres, ter direitos iguais e sermos respeitados por quem quisermos ser. Resistiremos, mesmo com medo, por quem já lutou uma vez e nos garantiu essa liberdade, por nós e por cada criança deste País que merece uma sociedade melhor e mais justa!

Autor
Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, especialista em Marketing e mestre em Comunicação - e futura relações-públicas. Possui experiência em assessoria de imprensa, comunicação corporativa, produção de conteúdo e relacionamento. Apaixonada por Marketing de Influência, também integra a diretoria da ABRP RS/SC e é professora visitante na Unisinos e no Senac RS.

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