Transparências e intransparências

Por Fraga

Já disse que acho matéria transparente algo totalmente incompreensível?

Isso mesmo.

Vidro, cristal, diamante, papel celofane, celuloide, silicone - tudo isso minha lógica acha ilógico.

Diante desses materiais, simplesmente meu QI reduz, o cérebro empaca, o queixo cai.

 

A partir desse tipo de assombro, acho inadmissível o olhar humano atravessar a solidez da matéria, como se a gente fosse um Clark Kent.

Natural e aceitável, pra mim, é o obstáculo material à visão, seja ele mineral, animal ou vegetal.

Limitação que piora infinitamente ao ver uma água-viva na praia, aquele bicho todo gelatinoso, transparente em quase toda sua estrutura molecular. Também a gelatina incolor sobre a mesa me embasbaca.  

        

Mas terrível mesmo é contemplar um copo de água. Por isso me sirvo e bebo água no piloto automático.

Se insistir na busca da compreensão, é certo que ficarei estático, olhos vidrados, copo na mão, estupidamente bloqueado.

Transparência líquida: você não acha doideira ver através do rio, do mar, do xixi ou da lágrima?

Coisa estúpida ficar assim, incapacitado de raciocinar frente à transparência.

 

Ao contrário da matéria transparente, me sinto à vontade diante do carvão, do grafite, do feijão, ou do giz, da cal ou da farinha de trigo.

É isso: a matéria, em seu negrume ou em sua alvura, é coisa óbvia. O opaco me acalma, o translúcido me perturba.

Sei que basta acrescentar imensa pressão a um bloco de carvão e lá vem a matéria, toda cristalina, a me impressionar.

 

Mais fácil admirar muros de tijolos, paredes de madeira, as pelagens e penugens animais, as paletas das tintas industriais.

Normal é girar o Disco de Newton e o efeito transmutar as cores em branco. Não tem lugar pra transparência no Disco de Newton!

Sem esquecer o mistério vaidoso do prisma, que retalha a luz invisível até se pavonear com o arco-íris.

 

Isso sem especular em torno dos tons existentes ou inexistentes na antimatéria ou no inescrutável buraco-negro.

 

Em contrastante compensação, compreendo perfeitamente a falta de transparência dos seres humanos, sobretudo a dos políticos e governantes.

Autor
Fraga. Jornalista e humorista, editor de antologias e curador de exposições de humor. Colunista do jornal Extra Classe.

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