Um fusca por um ano

      Dia 30 de julho foi o último dia da produção dos fuscas. Tive um. Essa frase a gente ouve sempre. Cada um cita uma …

      Dia 30 de julho foi o último dia da produção dos fuscas. Tive um. Essa frase a gente ouve sempre. Cada um cita uma cor. O meu era amarelinho. Não era novo. Aliás, não era uma questão de idade. Era trato mesmo. Achava lindos os cromados. Uma vez um professor de artes muito religioso falou: a beleza de um Rafael pode estar numa roda de automóvel. Perfeito, pode mesmo. Mas, não era o caso do meu fusca.
      O coitado já estava bem judiado. Na "palanca" das mudanças (será esse o nome?), bem na ponta, tinha uma bola de acrílico transparente um pouco menor do que uma bola de tênis. Dentro, paralisado, para sempre, um siri de plástico.
      Precisava comprar um carro com o meu Fundo de Garantia, à vista, sem prestações. Logo, sobrou pra ele. O bom também era que junto com ele estava sempre o mecânico. Aquele cara ganhou muito dinheiro naquele ano. Era boa gente e ajudou demais. Parecia honesto.
      Teve um dia em que trocamos o tanque de gasolina em plena rua. O carro enguiçava e eu corria para o orelhão (não havia celular). Trabalhava de um lado da cidade e morava em outro.
      E o vidro? Não fechava. A não ser com um empurrãozinho para cima com as duas mãos. Eu estacionava, em estilo blasé, pequeno-burguês excêntrica e encostava no carro. Olhava para um lado e outro e, rápido, empurrava o vidro. Durou um ano esse sofrimento.
      Quando ia visitar meus pais era sempre motivo da piada familiar, muito divertida. Se fosse outro carro, daria problema. Mas era um fusca.
      Todo mundo teve um.
      Na volta, perdia um ou outro farol no caminho. Ficou na lembrança.
      Frase da semana: Um homem e uma única mala?Já pensou? Livrar-se dos vasinhos de cerâmica nas paredes verdes salpicadas de chuva? Não poderia. Não sou assim tão despojada.
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