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      Humoristas sempre valeram-se de estereótipos. O careca, o baixinho, o gordo, o bêbado, a loira, a velhinha, o gago e outros tantos são vítimas …

      Humoristas sempre valeram-se de estereótipos. O careca, o baixinho, o gordo, o bêbado, a loira, a velhinha, o gago e outros tantos são vítimas contumazes. Daí a pilhérias envolvendo raça, opção sexual, deficiências físicas e mentais é um passo. Um passo em falso. O riso é garantido, mas os limites do bom gosto tornam-se por demais voláteis. O pessoal do Casseta & Planeta tem sido saudado como o humor mais ousado e inteligente do Brasil não é de hoje, mas talvez tenha chegado ao perigoso ponto de auto-celebração a partir do qual já não há limites, pois sempre que um fala algo, os demais morrem de rir, e isto parece o bastante. Se alguém não gostar, paciência, celebridades não têm de dar satisfações a ninguém. Além do mais, a irreverência e ausência de auto-censura são sua maior virtude. Verdade. Eles sempre falaram o que bem entenderam sem dar satisfações à direção da Globo. Exceto, claro, quando se meteram a debochar da autoproclamada virgindade da Sandy, o que só fizeram uma vez antes de serem calados por uma circular sem direito a contestações. Não há registro de que tenham resistido.
      Nos últimos dias ampliou-se a fúria dos gaúchos contra os Cassetas por conta das piadas vinculando gaúchismo a veadagem. Artigos, discussões e teses multiplicam-se na internet. De fato, a insistência dos rapazes tem sido irritante. Baianos preguiçosos, cariocas vagabundos, mineiros burros e paulistas bundões também são personagens recorrentes, mas parece haver especial dedicação à produção de piadas de gaúchos. Tudo que é demais enche, já dizia vovó. Particularmente não me incomodo com piadas, mas sou obrigado a concordar que, neste caso, há um certo exagero. Em contrapartida, corre-se agora o risco de assistir ao surgimento de algum Movimento das Bombachas Iradas. É melhor parar antes que algum vereador apresente um projeto declarando-os inimigos do povo rio-grandense ou pedindo a censura do programa. Gaúcho pode não ser veado, ou tão veado, mas às vezes leva as coisas a sério demais. Já tem gente dizendo que se trata de uma ofensa imperdoável às melhores tradições culturais de nosso povo e etc. Menos, gente, menos. Problema deles se têm fixação com o tema.
      Aliás, gostaria de perceber a mesma indignação contra o excesso de piadas sobre homossexuais, independente da origem geográfica. Mas a indignação é sempre interesseira. Quando o hoje presidente Luís Inácio Lula da Silva afirmou que viajaria a "Pelotas, aquela terra de veados", durante um papo fora do ar, mas captado pelas câmeras, poucos reagiram. A mídia, por sinal, teve atuação emblemática, em especial os sites. Em vez de destacar o preconceito e o mau gosto de Lula, e diante da suposta divulgação do fato pelo PPB, em sua maioria as notícias exibiam títulos como "Maluf se aproveita de gafe de Lula", e começavam com "o presidente de honra do PT foi vítima?" Dia desses Lula esteve na Fenadoce e ninguém lhe atirou na cara uma torta de pêssegos. E, ao contrário dos Cassetas, Lula não faz humor, embora a política muitas vezes se pareça com.
* Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha e Dona Deusa e seus arredores escandalosos e da ficção juvenil Elyakan e a Desordem dos Sete Mundos .
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 Eliziário Goulart Rocha é jornalista e escritor, autor dos romances Silêncio no Bordel de Tia Chininha, Dona Deusa e seus Arredores Escandalosos e da ficção juvenil Eliakan e a Desordem dos Sete Mundos.

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