A formatura na lata de lixo

Por Flávio Dutra

18/09/2023 14:51
A formatura na lata de lixo

No recipiente para lixo na beira do Guaíba estava jogada a moldura que reproduzia a clássica foto dos formandos, com suas becas e chapéus para a cerimônia de diplomação. Era do curso de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) conforme inscrição sobre as fotos. A cena insólita chamou a atenção do caminhante solitário, acostumado a registrar as incidências incomuns daquele espaço. Normalmente eram registros sobre os pássaros, abundantes e de variadas espécies, que ali habitam em busca de alimentos e água. Mas o repórter circulante jamais tinha visto algo parecido, como o descarte da lembrança de um momento que deveria ser de celebração pelos anos de entrega aos estudos.

O vilipêndio da moldura desprezava a tradição quase milenar da formatura, que simboliza a passagem para a vida profissional. Por isso, os alunos vestem trajes especiais que os diferenciam dos demais participantes da cerimônia e o capello, o chapéu de forma quadrada em seu topo, que significa a sabedoria adquirida durante os anos de estudos. Nas fotos, aparece ainda uma espécie de babador, o jabor, um acessório utilizado para distinguir os formandos, como um emblema de mérito e responsabilidade social, mas que talvez ficasse mais bem posicionado nos familiares, a babar pela conquista do estudante. Entretanto, toda essa simbologia foi jogada no lixo.

Por outro lado, a postagem da foto nas redes sociais mexeu com a imaginação dos ativistas de plantão e gerou uma série de comentários. E, claro, politizaram o gesto e virou polêmica. A maioria dos que interagiram apostou que se tratava da formatura de jornalistas ou advogados. Até entendo que o Jornalismo esteja enfrentando uma crise de credibilidade, mas achava que os advogados estavam por cima, um deles até foi nomeado recentemente para a mais alta Corte do País. Só que fui contrariado por intervenções como essas, sobre a motivação de quem se livrou da moldura: ?Percebeu que tudo o que aprendeu na faculdade sobre a Constituição e o ordenamento jurídico foi jogada no lixo pelo STF?; ?Acho que foi o advogado aquele que confundiu os príncipes, ao defender o golpista no Supremo?; ?ou será alguém indignado com a sujeira que contaminou o judiciário corrompido??; ?Advogado decepcionado com o Judiciário, foi ganhar dinheiro no marketing digital?; ?Foi discreto, tem togados que fazem em rede nacional?; ?acho que aproveitou o momento para mostrar que os fins justificam os meios, depois de ter lido o Pequeno Príncipe de Maquiavel?. Pela amostra dá pra constatar que a área do Direito está mais contestada que a da Comunicação.

Também sobraram postagens para outras profissões como a que acredita que a formatura era da ?primeira turma de médicos EAD?, e outra apela para a flauta esportiva: ?Deve ser gremista?. Não faltaram suspeitas de que se trata de ?ex, com raiva, jogou no lixo?, ou de quem ?está em crise existencial; queria ser cantor e acabou jornalista?, ou, mesmo, que ?seria vingança de uma segunda ou terceira pessoa??, e ainda, o fato definitivo, de que ?certamente alguém foi descartado?. 

Nada disso, porém, parece responder a intrigante questão: afinal, o que levou a pessoa a se desfazer dessa forma do símbolo de um momento tão memorável? Não faço ideia, só sei que o gesto rendeu mais uma coluna e que até um descarte no lixo vira polêmica nas redes sociais. 

(Texto inspirado na sugestão de Cláudia Guerreiro de Lemos)