A paz do jornalista

Na noite de sábado, 22 de setembro, uma legião de jornalistas foi chegando totalmente diferente do seu jeito de sempre chegar. Ninguém reclamou da …

Na noite de sábado, 22 de setembro, uma legião de jornalistas foi chegando totalmente diferente do seu jeito de sempre chegar. Ninguém reclamou da vida tanto quanto era seu modo de sempre fazer. Ninguém falou que a escolha da data era péssima em função da chuva forte que estimulava ao convívio caseiro. Ninguém ficou sozinho num canto e para um grande espanto, lá pelas duas horas da madrugada, todos estavam rodopiando, livres, leves e soltos, no salão do Caixeiros Viajantes. Todos se fizeram bonitos, como há muito tempo não ousavam ser, para as comemorações do aniversário de 65 anos do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS.


Quem conhece "Valsinha" do Chico Lindo Buarque de Holanda e Vinícius de Moraes, certamente, perceberá que adaptei trechos da música no início da coluna para falar do baile. A letra, que na versão original de Chico e Vininha fala de um casal que não se encontrava há muito tempo e "cheios de ternura e graça foram para a praça e começaram a se abraçar", poderia perfeitamente explicar um pouco o misto de sentimentos, como emoções e afetos, que lotaram o salão do Caixeiros, no baile do Sindicato. Teve muito vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar, paletó reformado para vestir homenageados e lembranças, recordações, memórias de um passado e incertezas de um futuro.


Afinal, não é todo o dia que se faz 65 anos. Para uma categoria, à qual normalmente é atribuído o estigma de frieza, o que se viu no palco do Caixeiros foi justamente o contrário. Muita paixão, muita alegria, muita felicidade e vontade de continuar. Por se tratar dos 65 anos, a diretoria do Sindicato fez uma pesquisa e escolheu 22 nomes com igual idade ou mais e alguma expressão na história da imprensa gaúcha e da entidade para receber homenagens. Assim, buscou o seu  troféu o comentarista econômico, o radialista do programa polêmico, o fotógrafo tímido, a apresentadora extrovertida, a repórter de ensino do jornal centenário, o arquivista mais conhecido e eternos colaboradores do Sindicato.


Muitos, já habituados a receber troféus, não conseguiam esconder a satisfação pelo reconhecimento da categoria. Brincavam como crianças que são surpreendidas pela primeira nota alta no boletim e querem exibi-la. E desciam do palco, alguns com a dificuldade e o cansaço que a sabedoria de 65 anos impõe, pedindo aplausos efusivos e querendo mostrar para todos o seu prêmio. Levaram, para testemunhar a homenagem, seus familiares e colegas de redação. Ganharam abraços apertados e emocionados de ex-colegas que não viam há muito tempo, guardaram lágrimas teimosas que insistiam em cair, silenciaram ao saber da ausência eterna de outros.


O Sindicato também homenageou seus ex-presidentes, todos, no seu contexto, de fundamental importância para o engrandecimento da categoria; e entregou um troféu ao Grêmio, vencedor do jogo contra o Santos, no sábado, antes do baile. O mesmo gesto será repetido ao ganhador da partida entre Inter e São Paulo no próximo domingo. Quem foi ao baile receberá, em breve, um CD gravado por músicos jornalistas gaúchos, produzido pelo colega jornalista Juarez Fonseca e com uma belíssima capa de Santiago. O CD é um presente do Sindicato àqueles que se fizeram presentes na festa dos 65 anos. Não estará à venda. Assim como jamais esteve à venda a nossa dignidade profissional.


Depois da assinatura do acordo coletivo e das comemorações dos 65 anos, o Sindicato deverá, em respeito aos colegas que apóiam a entidade, seja nas datas festivas como nas reuniões exaustivas para discussão do dissídio, voltar-se para investir cada vez mais na qualificação profissional e no respeito da categoria. Não me perguntem a fórmula. Não sei nem mesmo de cabeça a receita do bolo abatumado que faço para a Gabriela Martins Trezzi, minha filha. Mas a receptividade mostrada na alegria dos homenageados no baile dos 65 anos, nos passos ritmados daqueles que deram a volta no salão e na presença dos familiares de ex-presidentes já falecidos, indica que existe um caminho a ser trilhado.


No domingo, como dizia a música "Valsinha", depois de dançarem tanta dança, parece que o mundo compreendeu e o dia amanheceu em paz. Mesmo que para muitos seja uma tranqüilidade relativa até começar o novo plantão, não encontrar a fonte que falta para fechar a matéria, não entender muito bem a pauta 500, não conseguir uma folga naquele feriado em que toda turma vai viajar ou estourar o dead-line. Esta é a paz que o jornalista gosta de ter.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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