A República dos motoristas

Por Flávio Dutra

17/12/2018 16:08

No Brasil, a assertiva do velho Marx de que a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa, não é bem assim. Aqui se repete como tragédia, drama, comédia e, sobretudo, como farsa. E como se repete, repete, repete!

Invoco Marx a propósito da interferência repetitiva dos motoristas na vida brasileira, especialmente no período da redemocratização. Valeria certamente um estudo acadêmico mais aprofundado sobre estes profissionais e a influência deles no curso da história. Não falo dos caminhoneiros que derrubaram a economia com a paralisação em maio ? foram protagonistas também, apesar do desserviço prestado -, mas dos motoristas que tem a responsabilidade do leva e traz das autoridades.

Um caso notório é do ex-motorista de Fernando Collor, Eriberto França, que denunciou pagamentos indevidos ao então presidente e isso foi decisivo no processo que resultou no impeachment.

Só que a realidade, às vezes, é cruel, tanto assim que Eriberto, conhecido como ?o motorista que derrubou Collor?, amargou o desemprego por um bom tempo, enquanto o ex-presidente voltou ao Senado e às maracutaias, e tem sido citado com assiduidade na Lava Jato.

Não é motorista, mas mesmo assim merece o registro pelas atitudes que tomou, o caseiro Francenildo Costa em meio ao escândalo do Mensalão. Ele denunciou os contatos de Antonio Palocci, então ministro da Fazenda de Lula, com lobistas desejosos de ?negociar? com o governo, teve seu sigilo bancário quebrado, o que acabou servindo para tornar insustentável a permanência do denunciado no cargo. 

Francenildo também enfrentou o desemprego, mas, se serve de consolo, Palocci, diferente de Collor, foi encarcerado, se bem que acabou beneficiado agora, depois da delação premiada, com prisão domiciliar.

Mais recentemente, denúncias de dois motoristas complicam a posse como ministra do Trabalho da deputada Cristiane Brasil, que descumpriu a legislação trabalhista na relação com os profissionais. A deputada violou uma regra básica: os motoristas, que tudo ouvem e a tudo assistem, são cargos de confiança por excelência e como tal devem ser tratados.

E ganha as manchetes agora a suspeita envolvendo o motorista de Flávio Bolsonaro, filho do presidente eleito. O sujeito, morador de uma casa modesta na periferia do Rio, movimentou mais de R$ 1,2 milhão na sua conta bancária, conforme revelação do atento COAF. Um cheque de R$ 24 mil para a futura primeira dama aproximou ainda mais Jair Bolsonaro do imbróglio. Até agora as explicações dos envolvidos revelam um tanto de amadorismo e outro tanto de desfaçatez.

O principal personagem ? o motora ? até domingo ainda não tinha aparecido para se explicar. Dependendo dos desdobramentos, o episódio pode ter como inédito efeito na política brasileira uma fragilidade do governo antes mesmo de assumir. E nem dá pra culpar o motorista, que parece ser mero intermediário nessa malsucedida operação.

Por fim, poderia falar também do papel desempenhado por ex-mulheres, ex-namoradas e ex-amantes nos grandes escândalos nacionais, mas aí é outra história, que também se repete, repete, repete.