A saudade é dor pungente

Por Márcia Martins

A saudade, em alguns dias, entra na minha rotina com uma intensidade leve e talvez, por isso, logo, sem perceber, ela desaparece sem deixar nenhum vestígio. É quando eu lembro das farras e festas que fiz na adolescência lá na rua Doutor Mário Totta, onde morei até os 21 anos. Das pequenas travessuras com as amigas ao retornar das baladas nas madrugadas e apertar nos porteiros eletrônicos (quem nunca?), quando se podia caminhar sem medo pelas ruas de Porto Alegre. Ou quando recordo das preocupações de estudante com as notas baixas nas disciplinas de matemática e ciências ou os ensaios para as apresentações no Ginásio Mãe de Deus, onde fiz o Primeiro Grau, que hoje corresponde ao Ensino Fundamental.

De maneira um pouco mais veemente, volta e meia, me invade uma saudade um tanto mais persistente, insistente e obstinada, que demora para me abandonar, mesmo que eu tente vários truques para expulsá-la. Ouvir uma música alegre e agitada. Transitar nas redes sociais. Iniciar a leitura de um bom livro. Rabiscar um poema. Sair para caminhar pelas ruas. É aquele tipo de saudade de fatos banais de tempos passados, mas com muita dificuldade de repeti-los. Sempre que a memória me apresenta um caso de amor mal resolvido e que ainda lateja, ou quando encontro uma dedicatória de alguma amiga distante que vejo ocasionalmente (bem menos do que necessitaria). Ou ao ver uma foto de algum aniversário dos meus 20 e poucos anos.

Agora, de um jeito insuportável, irredutível, execrável e extremamente sofrível, é uma saudade que se apossou de mim desde 4 de julho de 2011, quando a minha amada mãe, Mirthô Peçanha Martins, faleceu e deixou filhos, nora, netos e netas sem bússola e sem o carinho materno insubstituível. Não adianta eu buscar formas de disfarçar. No mínimo, uma vez por dia, essa saudade dolorida e sem fim permeia meus momentos e se aloja nos meus pensamentos. É uma dor exagerada. É como um punhal cravado no coração. É como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado e a sua cavidade fechada para sempre e com uma força tamanha que nunca mais será permitido preencher esse tal espaço.

Mamãe Mirthô é uma saudade de todos os dias. Quando eu estou triste, eu penso nela me acarinhando e fazendo cafunés nos meus cabelos. Às vezes, se entristeço por causa de alguma paixão perdida pelo caminho, lembro da mamis me exportando para a casa da amigona Adriana (hoje lá em Fortaleza) com uma garrafa de vinho para afogar as mágoas. Se estou alegre, imagino o rosto de minha mãe não contendo tamanha felicidade que ela imediatamente passaria a compartilhar comigo. Se conquisto alguma vitória, visualizo as feições maternas exibindo um orgulho danado que ela sempre teve e fazia questão de divulgar pelos seus quatro filhos (as manas Sílvia e Márcia e os guris Nando e Dedé).

Quando faço as minhas incursões pela cozinha (nem sempre tão gourmetizadas como eu posto no facebook), é a vez da saudade da mãe cozinheira de mão cheia que sempre tinha uma receita especial, uma comida saborosa e um jeito único para arrumar alguma guloseima que não havia dado certo. Quando escrevo um texto que alguém elogia, a saudade da mãe coruja, que nunca duvidou dos dotes de escritora da filha, se manifesta e faz eu lembrar da Mirthô com seu amor dadivoso e sem limites. Com uma saudade louca e insana, sempre recordo dos abraços afetuosos da minha mãe, dos passeios nos sábados à tarde pelos shoppings da cidade, dos preparativos dela para reunir todos nas festas de final de ano.

Enfim, a saudade de minha mãe é uma dor pungente. Seja ao lembrá-la nos momentos mais felizes ou ao imaginá-la nas situações mais tristes e delicadas. É uma dor de um amor intenso, que criou raízes, que deixou sementes, que espalhou frutos, mas que eu sei jamais voltará. Não aqui neste plano. Não aqui nesta energia. E, por isso, a saudade materna aninha-se em meu peito nas noites de frio, acalenta minha alma nos tórridos dias de verão, aconchega meus sentimentos nos melancólicos temporais do outono e floresce o meu cotidiano nas tardes indecisas da primavera. Ela é comovente, dolorosa, penetrante e, por mais que o tempo passe, ela é crescente.

Por isso, neste domingo, Dia das Mães, como faço todos os anos, desde a sua partida, depositarei ao lado do seu retrato mais sorridente, uma linda rosa branca, como forma de agradecimento e reconhecimento a quem me deu a vida e continua a viver, do jeito mais lindo e emocionante que existe, nas memórias daqueles onde deixou seu coração a bater.

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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