Aconteceu em Tacuarembó

Por Marino Boeira

Tem pessoas que colecionam caixas de fósforos. Outras se dedicam a guardar maços de cigarros.
Como diria minha mãe, Dona Alzira, cada louco com suas manias.
Eu coleciono cidades.
Fotos de cidades?
Não.
Lembranças.
Qual o critério para elas entrarem na minha coleção?
Simples, é eu ter posto os pés, uma vez  ao mínimo, em sua terra.
Em alguns casos fiquei dias na cidade, noutras horas e em algumas apenas alguns minutos.
Como viajava seguido para São Gabriel, onde vivia os pais da minha mulher na época, costumava fazer alguns desvios no caminho normal para cidade, a BR290 e colocar mais alguns nomes na minha coleção.
Num desvio à direita, conheci Cachoeira do Sul, Santa Maria e São Sepé.
Em outro desvio, agora à esquerda, visitei Bagé e Dom Pedrito.
Retornando de Passo Fundo a Porto Alegre pelo caminho que passa por Nova Prata, pude finalmente incluir Casca na minha coleção.
Outra vez, vindo de ônibus de Passo Fundo para Porto Alegre, pela BR-386, vi passarem uma série de cidades interessantes como Ernestina, Tio Hugo, Fontoura Xavier, São José do Herval e Marques de Souza. Vi as cidades pela janela do ônibus, que não parou nenhuma vez. Confesso que fiquei tentado a incluí-las na minha lista, principalmente Tio Hugo, mas me convenci que precisava respeitar o critério que eu mesmo tinha estabelecido.
Viajei muitas vezes ao Uruguai e diria que conheço razoavelmente bem Punta Del Este, Montevidéu e Colônia do Sacramento. Minha rota normal era pelo Chuí, até que resolvi ir a Punta entrando no Uruguai pela ponte Jaguarão-Rio Branco.
Meu objetivo era conhecer Trinta y Tres e mais do que todas, Tacuarembó.
Foi o que fiz: Rio Branco e Trinta y Tres foram passagens muito rápidas, mas  em Tacuarembó, pernoitei.
A razão principal era conhecer a história da ligação de Carlos Gardel com a cidade.
Todo mundo sabe que Gardel nasceu em Tolouse na França,em 11 de dezembro de 1890, de pai desconhecido e que veio com a mãe, Berthe Gandés,  para Buenos Aires, com 3 anos, se criando num bairro pobre da cidade.
Quando se tornou o mais famoso cantor de tangos da Argentina, fez show pelo mundo inteiro, inclusive no Uruguai e em Tacuarembó.
Meu amigo, o Dr. Franklin Cunha, que sabe tudo sobre esse tema, disse que os estancieiros uruguaios convenceram o cantor, então no início de carreira, a dizer que havia nascido em Tacuarembó, como forma de valorizar a cidade.
Hoje, em Tacuarembó, duvidar disso, provoca ressentimentos entre os moradores da cidade, que fizeram inclusive um museu em sua homenagem.
Desavisado, perguntei ao gerente do hotel se Gardel havia nascido mesmo na cidade.
- Nasció aqui, si, este asunto de ser francés, es mentira.
- Bom, Tacuarembó, está na minha lista. Quanto ao Gardel, continuo achando que ele é mesmo francês.

Autor
Formado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), foi jornalista nos veículos Última Hora, Revista Manchete, Jornal do Comércio e TV Piratini. Como publicitário, atuou nas agências Standard, Marca, Módulo, MPM e Símbolo. Acumula ainda experiência como professor universitário na área de Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e na Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos). É autor dos livros 'Raul', 'Crime na Madrugada', 'De Quatro', 'Tudo que Você NÃO Deve Fazer para Ganhar Dinheiro na Propaganda', 'Tudo Começou em 1964', 'Brizola e Eu' e 'Aconteceu em...', que traz crônicas de viagens, publicadas originalmente em Coletiva.net. E-mail para contato: [email protected]

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