Ágatha, a menina maravilha, morta pela polícia do Rio de Janeiro

Por Márcia Martins

Nunca mais a menina de oito anos poderá vestir a roupa da Mulher Maravilha. Nem aguardar a hora do recreio para tagarelar com suas coleguinhas no colégio. Muito menos chegar na sua humilde casa, e num intervalo dos tiroteios que ocorrem com frequência no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, convidar amiguinhas para pular amarelinha ou brincar de esconde-esconde. Ela não poderá mais ir às aulas de balé que tanto gostava e nem mesmo continuar seus estudos de inglês. Ágatha não tem mais a chance de realizar qualquer um dos sonhos que tenha tido a inocência de pensar na sua curta infância. Ágatha foi morta pela política de segurança do governo do Rio de Janeiro.

Até o momento, numa circunstância sem nenhum confronto, sem nenhum tiroteio aparente. Não que isto fosse atenuar a morte. Sem nenhuma perseguição que estivesse em curso no trajeto que a Kombi em que Ágatha estava com a mãe fazia. Não que isto também pudesse atenuar a morte. Ágatha, baleada nas costas na comunidade da Fazendinha, que fica no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, na noite de 21 de setembro, é mais uma vítima da política genocida do governador Wilson Witzel, aquele mesmo que desceu do helicóptero na ponte Rio-Niterói, com os pulsos cerrados, para comemorar a morte do sequestrador do ônibus que fez 37 reféns na manhã de 20 de agosto.

Ágatha Vitória Sales Félix, morta com um tiro de fuzil, chegou a ser levada para a UPA do Alemão e transferida para o Hospital Estadual Getúlio Vargas, mas não resistiu. Segundo relato de moradores, o disparo que matou a menina teria vindo de um policial militar de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). O motorista da Kombi em que Ágatha estava disse, no enterro da menina, no domingo (22) no Cemitério de Inhaúma, que não havia tiroteio nenhum naquele momento no trajeto que seu veículo fazia. "Não teve tiroteio nenhum, quem falou que foi tiroteio de todos os lados está mentindo. É mentira. É mentira", insistiu indignado o motorista, em contraponto ao que diz a Polícia sobre o caso.

A menina de olhos castanhos amendoados e cabelos cacheados é apenas mais uma na estatística da política violenta e que atira sem motivo nas favelas do Rio do governo de Witzel. É mais uma criança que tem seus sonhos ceifados. É mais uma criança que tem seu futuro assassinado. É mais uma criança que não irá comemorar aniversários, nem ver seus desenhos preferidos ou vestir a roupa de seus super-heróis. O corpo de Ágatha tombou em decorrência da falta de controle em intervenções armadas da polícia do Rio de Janeiro. Sua morte é mais uma bala perdida nas áreas pobres do Estado governado por Witzel.

As balas perdidas nestes casos mal contados em que a polícia do Rio vê suspeitos onde eles não existem são sempre encontradas no corpo de alguém pobre, negro, morador da favela. E talvez por isso, por não ser uma criança branca, de classe média, do Leblon ou Ipanema, que estivesse no carro particular de sua família, toda cheia de bolsas e mochilas de grife, o governador Wilson Witzel tenha demorado tanto tempo para se manifestar, sem pedir desculpas pelo assassinato da menina. Ele apenas lamentou, numa nota oficial, sem eira nem beira, que qualquer assessor deveria ter vergonha de assinar.

Como mãe, choro muito desde a notícia do tiro dado na Ágatha. Como mãe, não consigo sequer imaginar a dor da Vanessa Sales, mãe da menina Ágatha, que estava com ela no veículo alvejado. Como mãe, não sei o que retornar para casa sem poder abraçar a filha ou o filho, sem saber que ela ou ele telefonará, sem ouvir as novidades da creche, do colégio, da faculdade, os avanços no serviço. Como mãe, sei que sempre morremos um pouco, e quem sabe, definitivamente, quando uma filha ou filho nosso, contrariando a lei natural da vida (se é que ela existe), parte antes de nós.

 

Autor
Márcia Fernanda Peçanha Martins é jornalista, formada pela Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), militante de movimentos sociais e feminista. Trabalhou no Jornal do Comércio, onde iniciou sua carreira profissional, e teve passagens por Zero Hora, Correio do Povo, na reportagem das editorias de Economia e Geral, e em assessorias de Comunicação Social empresariais e governamentais. Escritora, com poesias publicadas em diversas antologias, ex-diretora do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul (Sindjors) e presidenta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Porto Alegre (COMDIM/POA) na gestão 2019/2021. E-mail para contato: [email protected]

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